Aceitar as imperfeições da vida parece contrassenso em uma sociedade que nos cobra exatidão. Contudo, uma antiga filosofia japonesa propõe novos olhares e ritmos ao nosso cotidiano. Oriundo do Zen Budismo – que tem como primeiro princípio a impermanência – o wabi-sabi está presente em diversas artes japonesas, como a cerimônia do chá, a cerâmica, o cultivo do bonsai, o jardim zen e o ikebana.
Esteticamente, o wabi-sabi pode ser identificado pelo minimalismo, pelo que é rústico, assimétrico, irregular, artesanal. Bem como pelo uso de objetos naturais, brutos, como madeira, pedras, metais e plantas; ambientes que transmitem um clima intimista, modesto e de aconchego.
O desgaste em virtude do tempo, a incompletude, a inexorável impermanência e todo tipo de imperfeição não são apenas admitidos, mas percebidos como belos e sublimes. Uma maneira de viver mais confortável perante a vida e suas inevitabilidades, ao acolher aquilo que é como é, já que valoriza a imperfeição das coisas e das pessoas como atributos e consequências na-turais.
No Japão, há outra filosofia chamada kintsugi, que é análoga ao wabi-sabi. A arte do kintsugi, que consiste em colar com laca espanada, ouro, prata ou platina objetos que se quebra-ram, enaltece a marca na peça que conta sua história única. Da mesma forma, considerando o lado comportamental, uma mudança de ponto de vista pode nos levar a enxergar a beleza que reside também naquilo que é imperceptível ou menos-prezado. Ao respeitar os ciclos do tempo, nos permitimos encarar nossas cicatrizes como um meio de honrar nossa história de vida e manifestar alegria e felicidade.
Outro exemplo é de um material que, recentemente, se tornou popular entre artesãos e designers: o fio de malha. Proveniente de resíduos da indústria têxtil, o que antes era visto como lixo e poluía o meio ambiente, agora é utilizado em trabalhos manuais e ganha um novo ciclo de vida.
Por ser um retalho, o fio de malha apresenta deformidades, como alteração em sua espessura ao longo do novelo, emendas, nós. Além de não ter uma cartela fixa de cores, texturas e composição de suas fibras se comparado a fios que são fabricados. Esses são detalhes que fazem dele um material singular e que, como costumo dizer, colaboram para nos tornar mais flexíveis diante da vida. Os aparentes defeitos que oferece às peças podem ser considerados efeitos, uma vantagem gentilmente concedida pelas artes manuais, que também têm como qualidade a originalidade.
Veja, não é necessário incorporar o wabi-sabi em sua rotina, apenas percebê-lo. Um prato com a borda lascada, uma calça desbotada, aquela mancha de copo na mesa, a tinta descascada na parede, o muro tomado por limo e trepadeiras... As coisas aparentemente mais insignificantes podem ser apreciadas ao invés de vistas como algo velho que precisa ser substituído ou restaurado. Os detalhes contam histórias, revelam vida que pulsa em ritmo orgânico.
No wabi-sabi, tudo é compreendido pela experiência, pelo processo e a partir da ação do tempo. Assim como saudade, wabi-sabi não tem tradução em nenhum idioma. Extrapola o sentido de qualquer palavra ou definição e requer apenas um estado de disponibilidade, humildade para aceitar a vida como ela se apresenta, crua, com suas limitações e fragilidades, sem que isso seja necessariamente ruim.
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