Foto: Felipe Borges
Recordo-me com deleite das trilhas que fiz, observando os verdes das árvores e dos arbustos, os coloridos das flores e dos inusitados frutos que encontrei. Encanta-me, também, observar, quando vou à feira de domingo, a multiplicidade de alimentos e a exuberante paleta de cores formada. Sinto, igualmente, o coração se encher de graça ao caminhar pela zona cerealista de São Paulo e contemplar a infinidade de temperos, ervas, cascas de árvores, grãos e sementes, cujas cores saltam aos olhos.
A natureza, fantasticamente, criou as mais variadas e encantadoras cores e há milhares de anos o homem utiliza-se de diferentes matérias-primas naturais para dar cor às suas próprias criações. Nesse contexto, o tingimento natural, aquela técnica milenar de usar pigmentos naturais para dar cor a substratos têxteis, encanta pelos resultados obtidos.
As fontes de onde é possível extrair esses corantes são diversas, afinal, a natureza nos rodeia com suas cores belíssimas. Temperar um alimento com açafrão-da-terra é brincar de amarelar a comida. Experimente cozinhar um tecido com esse tempero, a cor obtida é um amarelo que resplandece aos olhos. Na cozinha, ainda podemos encontrar aquelas sementes belas e cheirosas do urucum. Elas deixam os tecidos com diferentes intensidades de laranja, dependendo da fibra têxtil e do processo de tingimento.
E aquelas plantas verdes de onde se extraem os azuis fortes e imponentes? Esse corante, conhecido como índigo, já era usado há 6.000 anos no Peru e é extraído pelo processo de fermentação das folhas de diversas plantas, como as dos gêneros Isatis e Indigofera.
Rosas e roxos podem ser extraídos das flores de hibisco, das cascas de uva e jabuticaba. Contudo, as cores dessas plantas são instáveis e variam muito com o pH devido às características desses pigmentos, o que pode fazer com que o tecido apresente manchas verde acinzentadas. Nesse caso, é preciso antever a aplicação do tecido que será tingido com elas.
Foto: Felipe Borges
Para quem gosta dos tons beges e marrons, as cascas de árvore são as aliadas, além de possibilitarem cores muito resistentes. É possível se obter diferentes matizes. Por exemplo, a casca da catuaba cria tons de marrom mais avermelhados, enquanto a casca de copaíba, tons de marrom mais amarelados. Mas cuidado! Há o jeito certo de retirar a casca de uma árvore para não causar danos a ela. Para evitar erros, prefira sempre usar a casca externa da árvore. Além disso, uma lida no manual “Boas práticas de manejo para o extrativismo sustentável de cascas”, de Filizola e Sampaio, pode trazer um bom esclarecimento sobre isso.
Falar sobre as cores naturais é sempre encantador, mas precisamos ter consciência de que o tingimento natural também deve se basear na preservação. Uma produção industrial, ao modelo fast fashion, com o uso de plantas corantes pode gerar um grande impacto no meio ambiente. À vista disso, evoco as palavras de Fletcher e Grose, em “Moda e sustentabilidade: design para mudança”, de que o propósito do uso dos corantes na-turais “não é atender aos padrões que a indústria impõe a si mesma, mas, acima de tudo, trabalhar dentro dos limites da natureza”. Dessa forma, conectarmo-nos com a terra, compreender seu tempo e sua lógica é de extrema importância para utilizarmos esses corantes.
Há um universo milenar sobre o tingimento natural. Se lançar nele é ver a beleza da natureza, é se encantar com a mais sutil nuance das plantas, é se sentir feliz em ver um tecido sair da panela com uma nova cor, é testar diferentes processos e perceber que uma única planta pode criar uma cartela de cores maravilhosa. Enfim, é ir em frente, desvendando, descobrindo, e não querer voltar atrás!
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