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Atualizado: 1 de mar. de 2021

A artesã e ativista Betsy Greer, dos Estados Unidos, conversou com a URDUME sobre as intersecções entre artesanato e ativismo, sobre as próprias experiências com o fazer e sobre como identificar as sensações durante o processo


Por Mariana Domakoski - entrevista publicada na Revista Urdume #01 [fev/2019]



Durante uma parada de Halloween no ano de 2000, Betsy Greer se deparou pela primeira vez com o impacto do artesanato para as causas. Bonecos fantoche gigantes dos então candidatos à presidência dos Estados Unidos desfilavam. Como a própria Betsy comenta, o silêncio deles em meio à muvuca do evento gerava uma reflexão diferente. A sensação permanece f resca em sua memória até hoje, quase 20 anos depois.


Desde então, seus olhos estão aguçados em busca de formas em que o artesanato propõe reflexões e sensações, e ela está sempre interessada em aprender como o que as pessoas fazem pode ajudá-las a terem uma voz. Nessa busca, em 2014 editou e publicou o livro “Craftivism: The Art of Craft and Activism”, que traz os relatos de mais de 30 artesãos e artistas sobre suas criações e sobre como eles aliam seus talentos ao objetivo de tornar o mundo um lugar melhor.


Nas palavras da própria Betsy, da sua casa em Durham, Carolina do Norte (EUA), “ela cria bordados que buscam tornar o mundo um lugar melhor, ao lado de um cachorro malhado e um gato fofo”.


URDUME conversou com a mestre em Sociologia, com dissertação sobre a conexão entre tricô, cultura do “faça você mesmo” e o desenvolvimento de comunidades.


REVISTA URDUME. No seu livro “Craftivism: The Art of Craft and Activism”, você diz que o fazer

pode ser com o objetivo de nutrir a nós mesmos. Quais são os sentimentos que se pode experimentar no fazer? Como identificá-los?

Betsy. Primeiramente, você deve sentir. É uma longa história, mas, quando eu descobri o tricô, eu estava meio entorpecida com relação ao mundo depois de alguns acontecimentos. Eu tinha me fechado completamente para tudo. O fato de passar um tempo em contato com o fio macio, algo totalmente seguro e que não pedia nada de mim, permitiu-me começar a sentir novamente e ver o que eu estava perdendo. Então, se você não consegue sentir nada, artesanato como o tricô pode ser um ótimo ponto de partida, já que você pode apenas sentar e tricotar em silêncio e pensar sobre como você está se sentindo naquele momento. Para mim, o fato de estar fazendo algo enquanto tricotava com minhas próprias mãos era realmente emocionante! Eu ficava feliz sempre

que estava fazendo tricô, embora tivesse que superar a frustração de aprender, o que pode demorar um pouco!

Uma maneira fácil de começar a identificar-se com esse sentimento é pela quantidade de energia e pelos pensamentos que está tendo. Você está animado? Pensando em novos projetos? Há uma sensação de leveza em qualquer parte do seu corpo? Estas podem ser pistas de que você está fazendo algo que nutre você mesmo e sua alma.



URDUME. Fale mais sobre as suas próprias experiências, sentimentos e sobre como você os identifica.

Betsy. Às vezes leva tempo para saber como você se sente. Muitas vezes eu começo meu tricô ou bordado triste ou frustrada, e preciso de algum tempo para criar, a fim de que minha mente vá para um lugar melhor e mais criativo. O movimento repetitivo de muitos ofícios pode ser muito meditativo se você se concentrar no que está fazendo, em vez de focar nos pensamentos que tomam conta da sua cabeça. Eu ainda me sinto tão feliz quando me sento para tricotar ou bordar por alguns minutos, e posso sentir minha respiração ficando mais e mais profunda. Meus pensamentos focam em possibilidades, e não problemas, e minhas mãos são confortadas

pelo movimento rítmico. Muitas vezes na minha vida o artesanato se tornou um espaço sagrado

por causa de como eu me sinto ao fazê-lo.



URDUME. Para você, craftivismo não tem a ver apenas com política. Também tem a ver com autoconsciência e sensibilidade. Como fica a parte do ativismo quando “não se tem uma causa” para o que está sendo feito?

Betsy. Para mim, a parte do ativismo entra em cena quando você usa o artesanato para te ajudar a ser uma versão melhor de si mesmo. Um eu mais calmo, consciente e presente vai tomar melhores decisões sobre minha vida, em todos os aspectos: desde as causas e as pessoas

que apoio até como reajo a elas. E se no final desse processo eu tiver em mãos um presente para mim ou para alguém, ou uma peça para exibir, melhor! Mas isso depende de como você define o ativismo. Para mim, trata-se de fazer mudanças para criar um mundo melhor.



URDUME. E sobre o artesanato que fazemos e não compartilhamos com ninguém, ou que não são fruto de um lugar de dúvidas, busca, raiva, etc? Isso também pode ser considerado craftivismo?

Betsy. Eu acho que pode, pois acredito que as coisas que fazemos levam um pouco de nós com elas. Se o projeto finalizado faz você pensar em uma questão, ocasião ou sentimento específico ao qual você gostaria de dar forma, então ele pode te ajudar (ou ajudar quem ficar com ele) no futuro. Por vezes fiz peças em momentos de dúvidas e raiva, e o ato de fazer (de agir) me ajudou a trabalhar isso. O ato de fazer pode nos ajudar a passar por sentimentos difíceis, o que também pode ser benéfico. E a superação de um sentimento versus permanecer em um sentimento é útil para que tomemos decisões melhores


''Muitas vezes pode haver uma ressonância diferente entre os conceitos de arte e artesanato, o que significa que as pessoas têm estima diferente pelos objetos acabados quando, essencialmente, não há diferença, exceto o fato de que se uma toalha é feita para ser usada, colocá-la na parede pode ser um desserviço".

URDUME. Você diz que craftivismo é mudança que vem de dentro, além de ser a criação de coisas para o mundo exterior. Fale um pouco mais sobre isso.

Betsy. Tanto o processo artesanal quanto o produto dele são importantes. O processo é interno, no

qual você, o criador, se beneficia, enquanto sonha com ele, descobre o que quer fazer com ele, e no tempo que leva para criá-lo. Uma vez terminado, ele assume vida própria como objeto, feito por você, e ganha significado pelo destinatário ou pessoa que o encontra.



URDUME. Qualquer pessoa pode iniciar no craftivismo? Fale um pouco sobre expertise, habilidade e pessoas que ainda não conhecem ou não descobriram o processo do fazer.

Betsy. Sim! A primeira coisa craftivista que fiz foi um cachecol de tricô para um abrigo de violência doméstica. Há pessoas que fazem cartões com palavras encantadoras e deixam nas ruas, outras participam de atos aleatórios de bondade, fazendo escolhas que tornam este mundo um lugar melhor. Para mim, são atos ativistas. Eu acho que, por vezes, os humanos complicam muito as coisas, quando coisas simples também podem ser significativas.


URDUME. Para você, o que é abraçado pelo craftivismo? Quais são os formatos (tricotar, desenhar, cozinhar, etc)?

Betsy. Em geral, o trabalho tradicionalmente visto como artesanato – embora isso se sobreponha à arte – é o bordado, cerâmica, marcenaria, joalheria, etc. Entretanto, você pode seguir o princípio do craftivismo, de usar suas habilidades criativas para tornar o mundo melhor, e aplicá-lo nos esportes, culinária, voluntariado, etc.



URDUME. O artesanato, para ser considerado como tal, precisa ser necessariamente algo usável? Uma toalha de tricô emoldurada, como uma pintura, pode ser considerada arte?

Betsy. Tudo depende das definições individuais das pessoas sobre o que é "arte" e o que é "artesanato". E se alguém tricota uma toalha e eu penso nela como arte e não a uso como pretendido, então o que é? Estarei mais apta a usá-la se considerá-la como artesanato, uma vez que o artesanato é geralmente feito para ser usado? Muitas vezes pode haver uma ressonância

diferente entre os conceitos de arte e artesanato, o que significa que as pessoas têm estima diferente pelos objetos acabados quando, essencialmente, não há diferença, exceto o fato de que se uma toalha é feita para ser usada, colocá-la na parede pode ser um desserviço.



URDUME. O que significa para uma pessoa com necessidades, uma cidade vítima de terrorismo, ou alguém que perdeu uma pessoa amada, receber algo feito pelas mãos de outra pessoa? Qual é o poder disso, na sua opinião?

Betsy. Para algumas pessoas, ter um item feito à mão significa tudo. Para outros, não significa nada, e é por isso que é bom encontrar agências ou grupos que possam dizer se colchas, chapéus, cachecóis ou qualquer outra coisa são necessárias. Quando eu fiz aquele cachecol para o abrigo de violência doméstica, lembro de querer que fosse perfeito porque estava indo para outra pessoa. Fazer algo e depois doá-lo pode ser um exercício muito interessante e de abertura do coração, pois muitas vezes temos uma pessoa em mente. Doar pode nos ajudar a nos identificar com o conforto que um item artesanal pode dar.


URDUME. Fale um pouco mais sobre como você foi impactada pela parada anual de Greenwich Village Halloween de 2000 e os bonecos fantoche de George W. Bush e Al Gore [então candidatos à presidência dos Estados Unidos]. Essa foi a primeira vez que você foi impactada pelo poder do artesanato?

Betsy. Foi! Como esse desfile é tão barulhento, tempestuoso e alegre, o silêncio dos fantoches políticos marchando pela rua foi realmente surpreendente. Eles usaram a sonoridade do desfile em seu próprio benefício, ao ficarem quietos. O contraste me fez realmente estar ciente do que estava acontecendo ao meu redor. O fato de os fantoches estarem em silêncio em meio àquela ocasião alegre foi a escolha perfeita, porque muitos de nós estávamos com medo do resultado daquela eleição. Essa foi a primeira vez que vi o artesanato como algo que realmente tinha o poder de fazer as pessoas pensarem.



URDUME. Como libertar-se do medo de fazer algo “feio”?

Betsy. Nós podemos continuar fazendo. Se estiver muito preocupado com o desperdício resultante de diferentes tentativas, você sempre poderá optar por trabalhar com longos fios de malha ou tricô, para desmontar e começar de novo se estiver insatisfeito com o que fez. Mas se continuarmos experimentando novos desenhos, novas cores ou novos padrões, estaremos permitindo que nossos cérebros aprendam e brinquem, em vez de apenas consumirem. E sabe de uma coisa? É muito bom brincar!


"Eu olharia para as habilidades que você tem atualmente. Sabe cozinhar? Tricotar? Algo mais? E então olhe para o que você gosta, para o que importa para você. Quer ajudar os sem-teto? Como você pode usar suas habilidades culinárias para alimentá-los? Como você pode usar suas habilidades de tricô para mantê-los aquecidos e confortáveis? É sobre casar suas habilidades (ou habilidades que você está aprendendo ou quer aprender) com o que você quer ver mudar."

URDUME. E como é possível libertar-se do medo de criar, deixar a imaginação voar? Há uma técnica?

Betsy. É assustador, né? Ser confrontado com o equivalente a uma página em branco?! Podemos

nos livrar do medo diminuindo as apostas. Por exemplo, escolher fazer um casaco para uma boneca ou meu gato versus fazer um casaco para mim ou outra pessoa. Este último caso pode ser mais assustador, porque vou me preocupar se o casaco tem qualidade suficiente para ser usado. Se for para uma boneca ou um gato que sempre está em casa, é um projeto mais simples. Seu gato não vai ligar se o casaco não estiver perfeito, e talvez ele até odeie a coisa toda, porque gatos são lindamente meticulosos! Mas você saiu de dentro da sua cabeça ao mudar a escala do projeto. Então, depois de ter feito um casaco de boneca ou para o gato, você pode ter menos medo de fazer um para uma criança e, um dia, para você mesmo. Tornar as coisas lúdicas pode facilitar.



Urdume. No relato de Inga Hamilton em seu livro, ela diz que "a maravilhosa estranheza do artesanato está no processo". Você pode comentar um pouco sobre isso?

Betsy. Para mim, a "maravilhosa estranheza" do processo é que você pode sonhar com novas possibilidades enquanto faz algo. Muitas vezes passamos tanto tempo com nossos telefones, assistindo televisão ou colados em nossos laptops, que a alegria e entusiasmo em apenas sentar e usar suas mãos para fazer coisas diferentes, não eletrônicas, ficam maiores! Seu cérebro começa a funcionar de forma diferente, já que você não está tentando consumir mais e mais informações ou se divertir. Em vez disso, você está focado no que você está criando.



URDUME. Como começar? Qual é o primeiro passo para deixar o artesanato e o craftivismo entrarem na sua vida?

Betsy. Eu olharia para as habilidades que você tem atualmente. Sabe cozinhar? Tricotar? Algo mais? E então olhe para o que você gosta, para o que importa para você. Quer ajudar os sem teto? Como você pode usar suas habilidades culinárias para alimentá-los? Como você pode usar suas habilidades de tricô para mantê-los aquecidos e confortáveis? É sobre casar suas habilidades (ou habilidades que você está aprendendo ou quer aprender) com o que você quer ver mudar. Descobrir uma maneira de mesclar os dois pode ser um exercício divertido, então pegue um pedaço de papel e comece a listar suas habilidades e as causas que te movem, e veja com o que você pode sonhar!


Betsy Greer - @craftivista

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Inspirada na Semana Fashion Revolution 2020 nasce a coluna "Fios e Ritos"



Quem acompanha a Revista Urdume desde o início sabe que ela nasceu do meu íntimo, a partir de um projeto chamado Fios e Ritos. Aliás, a edição zero da Urdume (imagem ao lado) - publicada apenas digitalmente- ainda carregava esta alcunha como subtítulo.


A frase de apresentação do projeto: "fios são a metáfora da vida, ritos o que a torna sagrada" é o resumo de como passei a enxergar a vida após me encontrar por meio do tramar das fibras, mas - principalmente - sobre as infinitas possibilidade que se abriram em meu imaginário desde então.


Desta forma, a Revista Urdume tornou-se a expressão desse meu desejo, a investigação dos os fios e ritos, sejam eles reais ou metafóricos.


Ainda assim, com o decorrer do dia a dia da revista, e suas demandas de manutenção: envio, pagamento, divulgação, etc., diminui intensamente meu processo de pesquisa, mas, principalmente, de escrita e compartilhamento dos meus estudos e conclusões.


No entanto, no último mês, com a chegada do Covid-19, e as transformações que esta doença trouxeram para vida de todos nós, fui obrigada a rever a periodicidade da revista - e sua forma de produção - para continuar, ao mesmo tempo que fui oportunizada a retornar com minhas pesquisas e compartilhá-las.


Inspirada pela a chegada da Semana Fashion Revolution deste ano, resolvi expor meus pensamentos no blog da URDUME, em uma coluna chamada Fios e Ritos, sobre assuntos que perpassam a sociedade contemporânea, e estão ligadas por um fino fio rompido a partir do nosso comportamento de indivíduos-consumidores. Como diria, o já falecido, filósofo zygmunt Bauman, falarei sobre os “hábitos altamente mutáveis de nossa sociedade cada vez mais “plugada”, ou, para ser mais precisa, sem fio.”


O primeiro texto entra no ar hoje às 18h com os temas consumo e composição.


Estefania Lima, idealizadora e editora da Revista Urdume


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Atualizado: 1 de mar. de 2021

Tecer e transformar fios em peças é uma ótima oportunidade para rever formas de consumo e cuidados com as roupas. Saiba como aumentar e preservar a a vida útil de suas peças e ainda colaborar com a sua saúde e do planeta.



Segundo o projeto norte-americano Fibershed, que busca conectar produtores locais ao consumidor final - colaborando para construção de um ecossistema mais sustentável para a produção e consumo de roupas - o cuidado que temos com o que vestimos é responsável por 75-80% do impacto do ciclo de vida total de uma peça. O que acontece porque, de modo geral, uma roupa fica muito mais tempo conosco, usuários, do que a cadeia de suprimentos que a criou.


Pensando nisso, resolvemos falar sobre os cuidados de manutenção que podemos ter com uma peça feita à mão, ou não, para que ela dure mais e e gere menos impacto:



Na hora de fazer, ou comprar uma peça, prefira fibras naturais, que são antimicrobianas e, por isso, necessitam de menos lavagens, diminuindo o gasto de água e o desgaste da peça;


Arejar as roupas de fibras naturais ao sol, quando as fibras são naturais a luz UV dos raios de sol é capaz de eliminar o pouco do odor que é absorvido por esse tipo de material. Horas de exposição ao sol podem diminuir, e muito, o número de lavagens de peças de lã ou algodão, por exemplo.


Utilize água fria para lavar e seque ao ar livre;


Use sabão sem perfume, sem fosfato, biodegradáveis e evite amaciantes: Embora seus efeitos não sejam percebidos imediatamente, a maioria dos produtos industrializados, feitos para limpeza das roupas, liberam substâncias químicas que podem ser agressivas para a saúde das pessoas e do meio ambiente. O uso contínuo de amaciantes, por exemplo, pode causar problemas respiratórios e de pele. Bons substitutos para esses produtos são as esferas para máquina de lavar, que auxiliam na remoção de sujeiras por ação física, ao invés de química, e o uso do vinagre com gotinhas de óleo essencial no lugar do amaciante.


Mantenha sua roupa funcional: você é o responsável pelo ciclo de vida de cada novelo ou peça de roupa que produz ou compra em uma loja. Tente prolongar o tempo de vida útil das peças adotando os cuidados descritos anteriormente, mas também pensando duas vezes antes de comprar algo novo, e dê nova vida a antigos fios ou tecidos, antes de jogá-los fora.


Por último, se você é do time que coloca a mão na massa, sabe o tempo que se leva para produção de uma malha ou tecido feito à mão. Pensando assim, na próxima vez que for comprar fios, ou peças prontas, pense no investimento a longo prazo. Apesar de mais caras, as fibras de origem natural prologam a vida do seu trabalho e do meio ambiente. Vale investir para que o barato não saia caro.

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