top of page
  • 10 de ago. de 2021
  • 4 min de leitura

Iniciativa de Curitiba reúne rede local de moda autoral, brechós, e projetos socioculturais


Falar que a moda está entre as indústrias que mais poluem no mundo já virou até clichê. O setor é responsável por 92 milhões de toneladas de resíduos sólidos gerados globalmente a cada ano, de acordo com relatório divulgado em 2021 pelo Fórum Econômico Mundial. O setor também é o segundo que mais polui os oceanos, liberando cerca de 500 mil toneladas de microfibras sintéticas nos mares todos os anos.


Diante de dados como esses, fica difícil não se sensibilizar. Mesmo que, nos últimos anos, tenham se amplificado iniciativas que priorizam atitudes mais responsáveis na produção e comercialização, buscando reduzir os impactos no meio ambiente, cabe a todos ter mais consciência do papel de cada um dentro desse sistema.


ree

Ainda que informações sobre o consumo consciente estejam cada vez mais disseminadas, muitas pessoas podem não conhecer marcas que tenham princípios sustentáveis e que atuem localmente. Pensando em ser um ponto de apoio para quem procura consumir de forma mais consciente, surgiu o Clube Lupa, um clube de experiências focado para moda autoral, brechós, bares, restaurantes, iniciativas locais e projetos sociais.


Sediado em Curitiba (PR), o Lupa foi criado por Fernanda Paludo com a intenção de reunir marcas locais engajadas com práticas e formas de produzir mais responsáveis. Antes mesmo de ser lançado, em maio deste ano, o conceito já fazia parte do imaginário e das práticas de Fernanda, que era frequentemente procurada por amigos para indicar marcas, restaurantes e outras iniciativas com atuação consciente.“Ou seja, é uma extensão do trabalho que eu já vinha fazendo nas redes sociais com curadoria de marcas”, conta.


O que é o Clube Lupa?


Definido como um clube de experiências focado em moda, arte e cultura, o empreendimento reúne 110 parceiros de moda autoral, brechós, galerias, museus e serviços em geral. Cada um fornece benefícios - como descontos, mimos e sorteios - para os assinantes, que podem optar por dois planos de assinaturas: o anual (R$19,90 por mês) ou o semestral (21,90 por mês), valores que são revertidos para projetos sociais.


Com o Lupa, é possível ter acesso à curadoria e ao catálogo de marcas de Curitiba - a ideia, futuramente, é expandir para outras regiões do país. Fernanda vislumbra a iniciativa como uma forma de incentivar e indicar marcas que, além da qualidade, tenham consciência e responsabilidade ética também nos bastidores. “Tenho um critério de seleção bem cuidadoso. O intuito é proporcionar experiências diferentes para as pessoas e colaborar para a economia local”, completa.


Alguns projetos sociais contemplados são o Banco de Roupas, que tem como objetivo ajudar mulheres em situação de vulnerabilidade ou vítimas de violência doméstica a se reinserir no mercado de trabalho e ter sua independência através de uma consultoria de imagem e doação de roupas. Outros são o Toda Ajuda Importa, que realiza ações de entrega de marmitas, cobertores e roupas para moradores de rua; e o Coletivo Igualdade Menstrual, que promove educação e acesso a produtos de higiene menstrual a pessoas em situação vulnerável.


Como tudo começou?


Não é à toa que Fernanda enveredou pelo rumo da moda sustentável e eticamente responsável.

ree

Morando nos Estados Unidos, em 2017, trabalhou em grandes redes de fast fashion, como a Forever 21, em San Diego, Califórnia, e passou a entender sobre a parte administrativa e logística.“Descobri que o buraco era muito mais embaixo. Comecei a pesquisar e estudar sobre como são feitas e de onde vêm as peças, li sobre Bangladesh e Camboja. Foi o início dos meus estudos nessa área”, conta.


Depois da Forever 21, ela passou em um processo seletivo para integrar a equipe da Nordstrom, uma loja de departamentos de luxo. Trabalhando no estoque, percebeu qualidade versus quantidade e se aprofundou nos estudos e leituras. Neste momento, foi criado o perfil de Instagram, para dar vazão aos conhecimentos sobre consumo e moda responsável. “Faço um trabalho de conscientização de uma forma leve e descontraída para que as pessoas aceitem e compreendam com mais facilidade”.


Formada em Direito, Fernanda sempre foi uma empreendedora. Logo depois de se formar, criou a “Bom Estágio”, uma empresa que fazia treinamento para estagiários iniciantes entrarem no mercado de trabalho mais preparados. Inspirada por um curso realizado no Sebrae, criou o Friends Bazar, em 2016. “Na época, bazar era algo novo e fez muito sucesso”. Foram, ao todo, 4 edições com 188 expositores e mais de 10 mil visitantes. Depois, em 2018, veio o Frugally Fair, reunindo 35 expositores entre brechós, marcas com viés social e sustentável.


O Clube Lupa, o sexto empreendimento, enfrenta o desafio de ter surgido em meio à pandemia. “Era pra ter sido lançado em fevereiro, estava tudo pronto e um dia antes entrou a bandeira vermelha. Tive que readaptar e criar todo um novo material para focar em delivery e take away e acabou iniciando em maio, lembra Fernanda, que, sozinha, é a responsável por todas as atividades. Recentemente, recebeu o reconhecimento da Câmara de Vereadores pelo seu trabalho, o que a emocionou muito. “É muito significativo perceber como esse caminho está sendo gratificante. Posso dizer que a vida me levou para a minha essência, essa é a minha maior conquista”.



 
 
 
  • 2 de jul. de 2021
  • 3 min de leitura

Biodiversidade brasileira tem muita fibra vegetal alternativa passível de ser estudada e desenvolvida para fins têxteis


ree

Pensar em materiais alternativos para a indústria têxtil pode ser uma forma de buscar diminuir os impactos dessa cadeia que abusa do poliéster (que é um plástico, vem do petróleo) e do algodão convencional (cheio de veneno). De acordo com o relatório Preferred Fiber & Materials Market Report 2019 da Textile Exchange, o poliéster e o algodão foram responsáveis, respectivamente, por 51,5% e 24,4% da produção mundial de fibras em 2018.


O algodão orgânico aparece como material queridinho das “marcas de moda sustentável”. É tão queridinho que o capitalismo engoliu, cooptou. E com isso, já temos plantação de algodão orgânico seguindo a lógica da monocultura e marcas gigantes de fast fashion fazendo coleções “verdes”, utilizando essa matéria prima como apelo.


Mas a verdade é que na biodiversidade brasileira tem muita fibra vegetal alternativa passível de ser estudada e desenvolvida para fins têxteis. Tucum, tururi, buriti, fibra da bananeira e por aí vai. Fibras que saem de plantas, mas que não são escaláveis. Isso deve realmente ser uma questão?

A lógica capitalista de acumulação infinita, produção (e consumo!) desenfreada e de exploração sem limites dos recursos da terra foi o que nos trouxe até aqui. Por aqui, entende-se um mundo em crise ambiental, ecológica, política, social... Até aí, nenhuma novidade, o capitalismo é um sistema de crises. Produzir dentro desse sistema econômico reforça a falsa dicotomia de que a humanidade e a natureza são coisas distintas, o que leva a desconexão, desequilíbrio e o tão almejado DESenvolvimento (ou seja, o não envolvimento – interessante análise morfológica trazida pela líder indígena Sônia Guajajara no vídeo “Feminismo, comuns e ecossocialismo” para o canal da TV Boitempo).


Se estamos procurando novos materiais porque acreditamos que a forma como a moda está sendo feita hoje é prejudicial ao planeta como um todo, não podemos pensar em novos materiais que se enquadrem na velha lógica de produção e mercado. Pensar em novos materiais e não mexer na estrutura do sistema é capitalismo verde ou consciente, ecologia liberal, ambientalismo elitista. Não atinge a base, não cria condições materiais para a mudança, e caminha, inevitavelmente, para o colapso.


Recorrer a conhecimentos tradicionais de povos originários pode ser uma bela forma de contornar o sistema vigente. Partindo da consciência de integração com a natureza, é possível sim utilizar os recursos naturais, conhecendo e respeitando os limites da terra. Valorizar conhecimentos tradicionais é uma maneira de conservação de espécies (inclusive da nossa) e existe um termo para isso, etnoconservação da natureza. Os estudos de etnoconservação sustentam que as populações tradicionais e seus saberes ancestrais contribuem para a conservação dos recursos naturais que manejam (DIEGUES, 2000).


Por exemplo, uma específica comunidade de ribeirinhos do estado do Amazonas tem o conhecimento tradicional de extração e manipulação de uma fibra vegetal chamada tucum. Essa fibra sai do interior da folha de uma palmeira. No processo de extração, apenas uma folha pode ser extraída, por palmeira, a cada seis meses (ABREU; NUNES, 2012). Eles sabem que se extraírem mais do que isso, o indivíduo morre. Portanto, respeitar esse limite é o que guia a produção.


A lógica dos produtos frutos de novos materiais deve ser essa, a natureza guiando e limitando a quantidade e não o contrário. Trazer esse tipo de material (e mentalidade) para a moda não é simplesmente ter uma nova “matéria-prima sustentável”. É mexer em estruturas, é trazer para a cena saberes ancestrais, comunidades tradicionais e a necessidade de demarcação de seus territórios. É falar sobre agroflorestas, incentivar agricultura familiar e lutar por redistribuição de terra. É jogar luz na potência da nossa sociobiodiversidade e construir novos modelos de negócio, baseados em cooperação dos atores interessados.


Articulações entre academia (pesquisa), comunidades tradicionais (e seus conhecimentos ancestrais), campo (agricultura familiar), indústrias têxteis, marcas de moda e pessoas que têm a intenção (e ação) de mudar a lógica do sistema é de onde pode surgir a síntese. Roubando o conceito da biologia, é esse o tipo de ecossistema que deve ser formado e fomentado. Um colaborando com o outro para, além de simplesmente produzirem novos materiais visando um nicho “verde” de mercado, tornarem vivo um novo sistema de moda. Ou melhor, uma moda para um novo sistema.


Referências:

ABREU, R.; NUNES, N.L. Tecendo a tradição e valorizando o conhecimento tradicional na Amazônia: o caso da “linha do Tucum”. Horizontes Antropológicos, v. 18, n. 38, p. 15-43, 2012.

DIEGUES, A. C. Etnoconservação: novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos. 2. Ed. São Paulo: Hucitec e NUPAUB, p. 273-290, 2000.

TEXTILE EXCHANGE. Preferred Fiber & Materials Market Report 2019. [s.l.: s.n.], 2019.

Feminismo, comuns e ecossocialismo | Silvia Federici e Sonia Guajajara. [Boitempo: s.l.] 17 de mar. 2021. 1 vídeo (1:58:50). Publicado pelo canal TV Boitempo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zYa_RP5BuZc&t=3043s. Acesso em: 17 de mar. 2021



 
 
 

Atualizado: 25 de jun. de 2021

Artistas têxteis fazem do poema uma obra-manifesto cuja trama é transcriada através do bordado



ree

Os artistas têxteis, performers e estilistas Alexandre Linhares e Thifany F. (H-AL) lançam a coleção “Socorro!”, inspirada na obra da poeta curitibana Alice Ruiz. Mergulhando nas delicadezas possíveis do tempo presente, os artistas fazem do poema uma obra-manifesto cuja trama é transcriada através do bordado. A cada peça da nova coleção – atemporal -, um verso do poema é bordado e ressignificado para os dias de hoje. As peças estão disponíveis, a partir do dia 23/06, no site da H-AL e na nova loja da marca, no centro de Curitiba, com atendimento pré-agendado.

Nesta primeira parceria com Alice Ruiz, a marca elege uma das letras mais viscerais da poeta, composta em 1986, gravada e musicada por Arnaldo Antunes e lançada

por Cássia Eller, Gal Costa, entre outros importantes nomes da MPB. Entre as vozes paranaenses, a canção ficou conhecida na interpretação da cantora Rogéria Holtz, uma das principais intérpretes da poeta. A paixão de Alice Ruiz pela linguagem se repete na coleção têxtil da qual se destacam duas peças. De um lado, um colete conceitual com traços de alfaiataria. De outro, uma jaqueta corta-vento no tecido Vitra, cuja textura se assemelha ao papel. As duas peças de sobreposição, ambas com o bordado “Socorro!”, podem ser compreendidas ainda como uma forma de abraço. A poesia aquece.

Em seu lote, a coleção “Socorro!” se desmembra em peças costuradas em tecido branco com sutil transparência sob bordado preto e vice-versa, cores que remetem às páginas de livros e à tinta impressa. Além das peças, Alexandre Linhares e Thifany F. abrem o ateliê para criação de itens personalizados para cada cliente, ou seja, é possível escolher o corte e o verso preferido do poema para que os artistas criem uma peça sob medida. “Nesta coleção, trazemos a leveza do território da poesia mais próxima ao corpo. O poema é tatuado na pele. Este olhar poético é a nossa ferramenta de enfrentamento para este momento sensível no qual estamos vivendo” explicam Alexandre e Thifany.


ree

SOCORRO! (Alice Ruiz)

Socorro! eu não estou sentindo nada nem medo, nem calor, nem fogo não vai dar mais pra chorar nem pra rir

Socorro! alguma alma, mesmo que penada me empreste suas penas já não sinto amor nem dor já não sinto nada

Socorro! alguém me dê um coração que esse já não bate nem apanha por favor, uma emoção pequena qualquer coisa que se sinta

tem tantos sentimentos deve ter algum que sirva

Socorro! alguma rua que me dê sentido em qualquer cruzamento, acostamento, encruzilhada, Socorro! eu já não sinto nada

O trabalho da marca, lido inicialmente no campo da moda, se transfigura num intenso emaranhado de relações que integra o campo expandido da arte têxtil. Ao longo de 14 anos de atividade, os artistas desenvolveram uma linguagem traduzida em "peças de arte vestíveis", transpondo poéticas em tecidos. Balizada nos parâmetros de eco e slow design, a H-AL é especializada em costura feita à mão, bordado, figurinos cênicos e reutilização de matéria-prima da indústria, especialmente resíduos de tule de vestidos de noiva, que caracteriza uma das peças mais delicadas da coleção.

Com os trabalhos configurados como manifestos, desfiles como performances e catálogos tratados como livros, Alexandre Linhares e Thifany F. passaram a assinar também figurinos de teatro, cinema e espetáculos de música fazendo parte da história das artes em Curitiba. Cada coleção, tratada com a intensidade de uma obra de arte, faz dos artistas importantes personagens na arte têxtil da cidade. Com 4 peças pronta-entrega e uma infinita possibilidade de combinações à moda do cliente, “Socorro” é uma intervenção poética urbana num diálogo direto entre a moda, as artes cênicas, a literatura e a música, um dos traços essenciais da marca H-AL.

Além da coleção “Socorro!”, a H-AL comercializa peças da coleção “Casulo”, inspirada no nascimento do primeiro filho do casal. A H-AL fechou por um período as portas da loja física localizada na região central de Curitiba em maio de 2020 e investiu nas vendas on-line. Agora, reabre as portas em novo endereço, dando continuidade ao trabalho de colocar a moda como experiência do sensível, na contramão da produção serializada imposta pela indústria.

Fotos: Cris Scutti

______________________________________

Serviço:

H-AL – Alexandre Linhares e Thifany F.

Coleção “Socorro”

Venda on-line e atendimento presencial (com hora marcada) na loja (Rua São Francisco, 179)

 
 
 
bottom of page