Sentir não basta, mas é onde começa
- Estefania Lima
- há 1 dia
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Desde cedo, me disseram que eu era sensível. Não como elogio, mas como alarme. Como se algo em mim estivesse sempre prestes a falhar. “Você chora demais.” “Você sente demais.” A sensibilidade, nesse contexto, não era qualidade, era ruído. Um excesso que precisava ser corrigido, domesticado, afinado com o mundo.
Passei anos tentando obedecer. Aprendi a conter. A medir. A prever. Fui me moldando até me tornar funcional. Forte, dizem. Mas ser funcional exige amputações: o choro suspenso, o gesto travado, o corpo contido. Ainda assim, algo em mim continuava vibrando, em frequências que eu não conseguia nomear.
Durante muito tempo, tentei traduzir essa vibração em pensamento. Filosofia, arte, pesquisa, ferramentas que me ajudaram a escutar melhor o que se movia em silêncio. Pensar foi, para mim, um modo de ouvir. Não como quem procura certezas, mas como quem encosta o ouvido no chão à procura de algo que ainda não tem forma.
A emoção, nessa circunstância, nunca foi uma explosão. Foi intervalo. Um ruído entre o que eu sentia e o que conseguia dizer. Nem sempre era bonito, nem sempre era produtivo, às vezes era só falha, mas aprendi a não virar o rosto diante dela.
Por isso, quando esses dias reli Que emoção! Que emoção?, um livro pequenininho de Georges Didi-Huberman, algo reverberou. O argumento do autor parte de uma imagem: o rosto de uma criança chorando. Mas não se trata de sentimentalismo. O que está em jogo ali é o acontecimento da emoção como desorganização e como linguagem. O choro como gesto que expõe, que quebra o andamento, que abre espaço.
Mas não romantizo isso. A emoção pode ser brutal. Pode ser banal. Pode ser apropriada, convertida, domesticada de novo. O que me interessa não é a emoção como autenticidade, mas como indício. Como corpo que escuta, que hesita, que falha. A emoção, para mim, é menos um lugar de verdade do que de trabalho. Um trabalho de escuta, que exige tempo, silêncio, paciência para não converter tudo em significado imediato.
No meu processo de criação, essa escuta é o que antecede qualquer gesto. Não crio a partir da emoção como quem verte algo puro. Crio a partir da hesitação que ela impõe. Do descompasso. Do intervalo entre a experiência e sua forma. E talvez aí esteja o seu valor: a emoção não como matéria bruta, mas como tensão, um campo em que o corpo e a linguagem ainda estão se fazendo.
Às vezes, penso que essa sensibilidade que tanto tentei apagar é, na verdade, uma forma de atenção. Uma forma de estar porosa ao mundo, mesmo que isso doa. Mesmo que isso me atrase. Mesmo que isso me torne, aos olhos de muitos, fraca demais, lenta demais, instável demais.
Mas talvez criar, verdadeiramente criar, exija isso: escutar antes de afirmar. Hesitar antes de nomear. Permitir que algo atravesse, mesmo que não se saiba o que é. Mesmo que não se transforme imediatamente em discurso, em obra, em produto. Sentir, nesse sentido, não é fim. É abertura.
E talvez seja essa abertura que ainda me interessa preservar. Mesmo quando ela dói. Mesmo quando falha. Porque, no fim, não é sobre chorar ou não chorar. É sobre não endurecer a ponto de deixar de escutar.
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