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  • 2 de out. de 2020
  • 4 min de leitura

Atualizado: 1 de mar. de 2021



INFÂNCIA


Conheça a trajetória da criadora da Pica Pau, os processos criativos dos personagens e seu primeiro contato com as artes manuais


Por Iris Alessi - entrevista publicada na Revista Urdume #02 [Mai/2019]

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Fotos: divulgação Yan Schenkel

Nascida em Buenos Aires, Yanina Schenkel é filha de um argentino com uma brasileira, e foi com a mãe e a avó que Yan aprendeu a fazer crochê desde cedo. Idealizadora da marca Pica Pau, que depois virou o título de seus livros, ela estudou Artes Visuais na UNA (Universidad Nacional de Las Artes) e, atualmente, dedica-se a criar bonecos encantadores em crochê para que muitas pessoas possam tecê-los também. Saiba mais sobre a história de Yan, que não considera o crochê uma “coisa de vó”, mas, sim, de brasileiro.

REVISTA URDUME: Quais foram os teus primeiros pontos no crochê?

Yanina Schenkel: Acho que a primeira vez eu deveria ter uns oito anos. Minha mãe, gaúcha, gostava de fazer babadinhos nas toalhas de banho e minha avó fazia essas galinhas que se coloca no bico da chaleira para aquecer água. E eu adorava! Para mim, crochê não era coisa de vovó, mas de brasileira. Contudo, não via o sentido em fazer nenhumas delas, então preferi aprender tricô e só voltei a pegar numa agulha de crochê aos 25 anos, quando tive uma colega de Belas Artes que fazia bolsas. Mas como ela não gostava muito de ensinar, eu tecia sem saber os nomes e ia mudando os pontos a cada carreira. Decidi pegar os livros de tecido da minha mãe, mas nenhum ensinava como pegar e passar os fios nas mãos. E é por isso que, até hoje, eu pego a agulha e fio de um jeito nada “tradicional”.

URDUME: Onde conheceu os amigurimis e quando começou a tecê-los?

YS: Fiz o meu primeiro boneco em crochê sem saber que eles tinham esse nome. E o primeiro foi um ursinho para um cachecol que fiz para meu filho quando ele tinha 6 anos - isso há 11 anos já! Gostei tanto que continuei, mas sem saber bem o que eu estava fazendo. Procurei outras pessoas tecendo esse tipo de bichinho e achei! Os blogs estavam no auge na época, e foi aí que descobri também o nome amigurumis e não gostei nada (risos). Ainda continuo lutando um pouco contra esse nome (risos).

URDUME: Qual foi o teu primeiro padrão criado?

YS: Foi o segundo ursinho que eu fiz. Logo depois, teci algumas bonecas e coelhinhos. Mas os primeiros “Pica Pau”, com o jeitinho de Pica Pau, foram o macaco Jacques e a raposa Lucas.


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URDUME: Quando nasceu a marca Pica-Pau?

YS: Em 2009, quando depois de fazer alguns bonecos, decidi começar um blog e ter uma página no Facebook para poder compartilhar meu trabalho. Éramos tão poucos e as fotografias tão feias (risos).

URDUME: Aliás, por que ganhou este nome?

YS: Queria um nome que em espanhol não tivesse nenhum significado e não estivesse relacionado com a palavra amigurumi. Eu não sabia se eu ia a continuar fazendo bichinhos em crochê e queria ter um nome que identificasse o blog e qualquer outro produto. E também Pica Pau porque eu cresci escutando a minha mãe falando dos contos do Sítio do Pica Pau Amarelo. Aliás, ainda tenho a minha boneca Emília.

URDUME: Como é o teu processo de criação de bonecos?

YS: O tempo todo estou “colecionando” imagens, fotografias, ilustrações etc, e vou desenhando personagens, roupas ou qualquer coisa que acho possa me servir na hora de pensar uma personagem. Também vou montando listas de animais que gostaria de fazer, procuro fotografias e pesquiso sobre seus hábitos porque me ajuda a pensar e escrever as suas histórias. Aí vou completando cadernos com rabiscos, anotações, cores. Sempre vou misturando isso de desenhar, pesquisar e tecer. Se for possível, faço um pouco de cada um no dia.


URDUME: Quando você percebeu que criar e vender bonecos e padrões poderia ser sua principal atividade?

YS: Comecei a vender bonecos em 2010, que foi quando também coloquei à venda os meus primeiros padrões no Etsy. Em 2011, quando comecei a dar aulas de crochê, surgiram dois trabalhos importantes: desenhar meus primeiros bonecos para uma grife infantil e participar do meu primeiro evento no Malba. Nesse momento percebi que podia ser um trabalho sério mesmo e isso tornou-se a minha principal atividade. Mas como fazia tudo sozinha, nunca cheguei a viver somente dele. Foi em 2015, com meu primeiro livro, que passei a “viver” desse trabalho.


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URDUME: Como surgiu a ideia para escrever seu primeiro livro de padrões?

YS: Ele saiu depois de muito insistir muito, muito (risos). Eu já tinha mais de 30 personagens e ainda vendia os bonecos, mas muitas “marcas” locais estavam me plagiando. O livro era um modo de me confirmar como autora desses bonecos que, para mim, são muito mais que simples bichinhos em crochê: são minhas personagens, minhas criaturas. Além disso, amo livros e, aqui na Argentina, ainda não existia nenhuma publicação deste tipo, então seria um lindo desafio.

URDUME: Como os artesãos podem ajudar a combater a pirataria?

YS: Talvez a solução seja que todas as pessoas façam o esforço de valorizar e mencionar o trabalho do outro, do autor e dos artesãos, tanto por parte dos consumidores, leitores, como das editoras. Acho importante o trabalho de muitas novas publicações que enfatizam e valorizam a obra do autor, pois elas não estão apenas ajudando a lutar contra pirataria, mas agregando valor a todas as artes manuais.

URDUME: Na sua visão, qual o futuro das artes manuais?

YS: Na primeira vez em que me entrevistaram respondi a esta mesma pergunta. Naquele momento, acreditava que as pessoas tinham necessidade de voltar às coisas mais simples, feitas à mão, sentidas, cuidadas e valoradas. Mas, fora isso, que talvez seja a parte mais comercial do assunto, acredito que as artes manuais estão ligadas à mulher e por muito tempo estiveram presas em casa do mesmo jeito que a mulher. Agora, com o ressurgimento do feminismo e as vozes de novas gerações, estes trabalhos estão saindo dessa clausura e sendo vistos, apreciados e valorizados. Mas sei que ainda estamos começando e temos muito caminho a percorrer.

 
 
 
  • 2 de out. de 2020
  • 5 min de leitura

Por Estefania Lima - entrevista publicada na Revista Urdume #01 [fev/2019]



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Imagem: divulgação Clube do Bordado

O clube do Bordado é ator importante de um movimento de valorização das práticas manuais no Brasil. Com a ajuda de plataformas virtuais, as meninas que começaram sua trajetória com uma coleção de bordados Soft Porn seguem quebrando paradigmas sobre a prática no país.

Juntas desde 2013, Amanda Zacarkim, Camila Gomes Lopes, Laís Souza, Marina Dini,

Renata Dania e Vanessa Israel são conhecidas por usarem as redes sociais para compartilhar

conhecimento, experiências e promover a cultura do feito à mão pela internet.


No YouTube, são responsáveis por um canal que aborda desde pontos de bordado a empreendedorismo e empoderamento feminino. Para dar sustentabilidade à produção dos vídeos, em 2018, o Clube passou a oferecer um plano de assinatura mensal. Com uma contribuição de R$ 17 por mês, as bordetes, como são conhecidas as assinantes do plano, garantem um pacote de conteúdo digital, além de participarem em uma comunidade online de bordadeiras.



URDUME. Renata, o bordado é uma prática historicamente associada ao feminino e ao lar e o Clube do Bordado é um dos responsáveis por estar transformando essa realidade no país. Como vocês enxergam esse movimento e como a internet contribui para sua expansão?

Renata. Fazemos parte de uma geração que tem liberdade de escolha sobre suas atividades. Os trabalhos manuais, assim como os domésticos, têm um histórico de desvalorização pela sociedade. Isso se intensificou na década de 60, quando as mulheres sentiram necessidade de se distanciar dessas atividades para terem reconhecimento no mercado de trabalho. Hoje em dia isso mudou. Não é mais uma imposição que aprendamos isso ou aquilo para ser mulher “prendada” e, a partir do momento que as artes manuais passam a ser uma opção, elas perdem o peso da obrigação e dos rótulos. Essa ressignificação dos trabalhos manuais é um processo natural, mas que fomentamos e incentivamos através das nossas redes sociais. Além disso, nos esforçamos para a conscientização da comunidade sobre o valor dos trabalhos manuais, enquanto patrimônio cultural e preço justo.



URDUME. Há alguns anos vocês disponibilizam uma série de vídeos no YouTube que possibilitam que pessoas em qualquer lugar do país (ou mesmo do mundo) aprendam a bordar. Em 2018, vocês passaram a fazer isso também através de um plano de assinatura mensal. Como funciona esse modelo e quais foram os frutos dessa nova iniciativa?

Renata. Em fevereiro de 2018, lançamos este novo produto, que é o nosso plano de assinaturas. Nele o assinante contribui com o valor de R$ 17 mensais e recebe um pacote de conteúdo digital em seu email, com instruções técnicas de como fazer um bordado temático, mais uma folha com ilustrações extras relacionadas ao mesmo tema e uma live no nosso YouTube, tirando dúvidas de execução. O Clube do Bordado sempre se destacou pelas ilustrações e cartelas de cores que cria. Vimos neste reconhecimento a oportunidade de fornecer este serviço para pessoas que gostam de bordar, mas não necessariamente querem criar um desenho próprio. Estes bordados

são de uso livre, então permite que artesãs revendam estes produtos, gerando renda. As assinantes participam de um grupo fechado no Facebook que é a coisa mais linda; com troca de conhecimento, todo mundo se ajudando e crescendo junto. A ideia inicial deste plano era gerar uma renda fixa para nossa empresa, já que é muito difícil conseguir retorno financeiro através do YouTube, com o qual despendemos muitas horas mensais para disponibilizar conteúdo educacional gratuito. É um lindo ciclo de abundância que favorece todos os envolvidos.



URDUME. Os vídeos do Clube impulsionam muitas mulheres a transformações. Como isso é percebido e sentido por vocês?

Amanda. Ao longo desses anos, percebemos que esse movimento de aprender e resgatar as técnicas manuais está acontecendo numa esfera ampla, sem muitas barreiras de gênero, conhecimento prévio e independente de outras responsabilidades. Nós somos o interlocutor, mas

o agente é o público que, através de um desejo de equilibrar melhor a vida entre os excessos do dia a dia - trabalho, informação, telas, coisas prontas, industrializadas -, ressignifica suas atividades e rotina... E esse gatilho para começar algum trabalho artesanal pode aparecer de diversas formas, seja pela curiosidade de aprender algo novo ou para relembrar algo que era comum na infância e que ficou no passado, por exemplo. O legal é que a partir disso surge

um pequeno universo novo em que podem ser criadas novas conexões: um novo grupo de amigas (os), o desafio de testar materiais e técnicas novas, um jeito de lidar com inseguranças, ou um momento de bem-estar consigo mesmo. Pois, enquanto as mãos trabalham, é possível deixar o pensamento correr solto e aprender sobre o tempo que as coisas levam para serem feitas. Com tudo isso, acredito que essas transformações estão ligadas à expressão pessoal que essas técnicas favorecem. Num mundo em que tudo está "pronto", fazer algo com as próprias mãos é uma forma de colocar um pouco da nossa personalidade nas coisas e de satisfação acessível a todos nós. São muitos relatos incríveis que recebemos diariamente e compilamos algumas dessas histórias no perfil @gentequeborda, no Instagram.



URDUME. O Clube não deixa de se posicionar sobre aquilo que acredita e isso faz muita diferença. Mais do que um coletivo que ensina bordado, vocês são mulheres que usam a técnica como forma de empoderamento feminino, esclarecimento sobre questões sociais e direitos humanos. Como isso se dá para vocês? O quanto isso influencia na receptividade do público?

Renata. Nós consideramos como parte da imagem do Clube do Bordado compartilharmos nossos ideais através de nossas redes. E todos esses assuntos nos representam e moldam nossa forma de agir e trabalhar. É importante se posicionar, ainda mais nos tempos que temos vivido aqui no Brasil. Os posts que fazemos sobre assuntos como feminismo e política são os mais movimentados nos comentários. Tem sempre uma parcela do público que é de novos seguidores e ainda não estão familiarizados com nossa postura. Por isso, muitas vezes surgem comentários que discordam e criticam o fato de nos posicionarmos. Mas o resultado da balança é sempre positivo, na nossa opinião.



URDUME. Vocês são seis mulheres. É muita gente e isso também é algo muito inspirador na trajetória de vocês. O quão complexo e frutífero é equalizar todas essas relações?

Renata. O fato do Clube do Bordado ser formado por seis sócias é um grande desafio. A proposta da nossa empresa é de ter uma gestão horizontal, com poder descentralizado, em que as decisões e responsabilidades são divididas igualmente entre nós. Este formato de empresa nos força e nos possibilita exercitar diariamente nossa paciência, compreensão e proatividade. O respeito com que nos tratamos é algo que sempre me orgulha. Deveria ser um requisito básico para todas as relações, mas já trabalhei em outras empresas e sei que a prática não é bem assim, infelizmente. Tem sido um grande crescimento e uma experiência profissional incrível ao longo da nossa trajetória.

 
 
 
  • 2 de out. de 2020
  • 5 min de leitura

Atualizado: 1 de mar. de 2021

Por de trás de milhares de visualizações de vídeos tutoriais de tricô e crochê, há muito mais do que uma boa professora: inspirada pelo movimento punk, a artesã Marie Castro vê no lema “do it yourself” o caminho para a liberdade


Por Estefania Lima - entrevista publicada na Revista Urdume #01 [fev/2019]




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Desde a adolescência, quando já fazia parte de uma banda punk, Marie só encontrava sentido em trabalhos e atividades manuais alinhados com essa vertente do conceito de DIY [do it yourself ou faça você mesmo]. E foi naturalmente que a artesã assumiu tal proposta como postura de vida - aprendeu a tricotar e cozinhar aos oito anos de idade podendo, desde cedo, escolher o que vestir ou comer. Hoje, aos 29 anos, está à frente de um canal no YouTube com mais de 210 mil inscritos, no qual fala sobre moda têxtil [Marie ensina tricô e crochê em tutoriais pela internet no canal que leva seu nome] e coloca sua opinião sobre política, feminismo e consumismo.


Uma luta contra as imposições sociais


O movimento punk nasceu nos anos 70, em Nova York (EUA), e ganhou força na Inglaterra quando, em 6 de novembro de 1975, a banda Sex Pistols fez seu primeiro show na St. Martin’s

Art School, em Londres, ecoando seu estilo musical contestador para grupos de jovens insatisfeitos com o sistema. Naquele momento, na Inglaterra, muitos entendiam a anarquia como um caminho a ser seguido: o governo de esquerda do Partido Trabalhista vivia uma crise econômica em 1975 e, posteriormente, perderia as eleições para uma direita conservadora - Margaret Thatcher, a “Dama de Ferro”, do Partido Conservador, chegou ao poder com uma apertada vitória nas

eleições de 1979.


O visual desleixado, as roupas rasgadas, os alfinetes pendurados, os piercings e os cabelos curtos, coloridos e arrepiados marcavam a ideologia punk e o que ela pregava: a autonomia, a autodisciplina e as regras pessoais em vez de imposições sociais. DIY e o movimento punk

Com base no conceito de que cada um tem direito a criar as próprias regras, nasce o lema punk: “se você não gosta do que existe, faça você mesmo” - o famoso do it yourself, frase que impulsionou não só um novo estilo de rock, mas toda a cultura em torno dele. Neste ímpeto de confrontar o sistema e a indústria cultural, os jovens começaram a criar suas próprias roupas, comprando em brechós e adaptando suas peças, montaram gravadoras independentes e fizeram publicações, aos poucos se libertando da lógica de consumo das grandes corporações. Em oposição ao período originário do conceito, quando havia escassez de produtos, na ascensão punk a ideia era justamente ir contra a imposição do consumo. "O punk foi um movimento de contracultura que promoveu o DIY pela abundância de ofertas, algo que se relaciona muito com os dias de hoje, com o movimento de consumo consciente", comenta Marie.


Para saber mais sobre a relação de Marie com o DIY, conversamos com a artesã sobre infância, fios, liberdade, autoconhecimento e posicionamento.


URDUME. Marie, como o tricô e o crochê entraram na sua vida?

Marie. Observando a minha família. Minha mãe e minha avó faziam tricô, crochê, bordado, e desde criança eu tenho sede por independência. Então, eu procurava aprender essas técnicas para ter liberdade de vestir ou comer o que eu quisesse. Comecei a tricotar com 7 anos, e o crochê chegou um pouco mais tarde, aos 13, mas fazia também muitas outras coisas. Adorava fazer coisas com sucata, por exemplo. Desde cedo eu entendi a independência que o trabalho manual poderia me dar.


URDUME. Em qual momento essa ferramenta de liberdade se tornou um ofício?

Marie. Aconteceu de forma muito orgânica. Comecei a costurar à máquina quando o acesso a peças diferentes era difícil. Eu não tinha acesso a tecidos, estampas diferentes, então comecei a customizar camisetas e depois ampliar isso para calças, casacos. Várias peças que fiz na minha adolescência, quando tinha minha banda punk, foram feitas de retalhos, reaproveitando coisas que eu tinha em casa. Com 15, 16 anos eu já fazia camisetas customizadas para vender no Mercado Mundo Mix [evento multicultural criado nos 90], já tentando empreender no ramo. Fazia parte do meu DNA punk. E apesar de ter trabalhado com outras coisas depois, sempre foram trabalhos relacionados com moda ou trabalhos manuais. Então, de alguma forma, handmade sempre esteve lá.


URDUME. Nas suas redes sociais você compartilha muitos dos insights que o fazer manual traz para você. Como tricotar ou fazer crochê contribuem para o seu processo de autoconhecimento?

Marie. Eu gosto de significar as coisas, o meu cotidiano, e desde a escola gosto muito de escrever. Acho que no crochê e no tricô isso também foi um processo natural porque uma técnica por si só não me basta, eu preciso contextualizá-la. Então, sempre correlaciono as dificuldades que tenho com os fios com coisas que estou vivendo na minha vida. O jeito que eu me comporto com a minha técnica é o jeito que eu me comporto no meu dia a dia. Todo processo de aprendizado reflete os processos da vida. No tricô e no crochê então... você só tem uma agulha, uma linha e a sua força de vontade. É como a vida na prática é, poucos recursos, pouca ajuda externa, em uma atividade solitária... não é essa a história da autonomia?


URDUME. Você consegue manter essa maneira de lidar com a técnica e com a vida mesmo quando está produzindo para o trabalho?

Marie. Qualquer atividade que se torna um trabalho tem partes que não são tão legais. É difícil pegar algo tão prazeroso e transformar isso em um objetivo de vida, com expectativas

minhas, do público, das empresas apoiadoras, todas as questões financeiras, e ainda casar com o significado disso tudo e com o próprio tempo. Por isso que eu respeito as pausas necessárias para repensar o meu trabalho, as peças... replanejar a minha trajetória. Eu trabalho muito com produção de conteúdo para a internet e tudo gira em torno de números, de métricas, então ao mesmo tempo em que eu preciso fazer algo que vem de dentro de mim, precisa ser algo que dê resultado, e é bem complicado. Nem sempre sai da maneira que eu gostaria que saísse, mas o que eu tento fazer é sempre engajar de forma sincera, com coisas que eu gosto. Tento trabalhar ao máximo nessa conexão com o outro. Não somos tão diferentes assim, então quando exponho minhas vulnerabilidades, consigo criar conexão.


Eu gosto de significar as coisas, o meu cotidiano [...] Acho que no crochê e no tricô isso também foi um processo natural porque uma técnica por si só não me basta, eu preciso contextualizá-la."

URDUME. Falando em métricas, nas eleições de 2018 você se posicionou publicamente em relação a sua posição política. Como você equilibra essa relação delicada entre emitir

opiniões polêmicas e manter a audiência?

Marie. Acho que tem a ver com o meu momento. No começo, eu tinha muito medo de me posicionar, era algo muito novo. Eu não sabia qual era o limite, então aos poucos eu fui levando mais longe. Esse ano eu me senti segura para me posicionar sobre questões mais polêmicas porque isso faz parte da significação do meu trabalho. Tem gente que não entende a linguagem, pra onde eu quero ir, mas hoje eu faço isso com confiança porque é o que acho correto. Eu penso muito em como fazer isso de forma respeitosa, sem agredir ninguém, mas entendo que é necessário que eu me posicione.



URDUME. Como você enxerga o retorno das artes manuais têxteis como uma prática do feminino, agora extrapolando o ambiente de casa e se tornando uma ferramenta de posicionamento político?

Marie. Eu acho um resgate fundamental para o nosso entendimento e reencontro do que é mulher. Existia um preconceito no começo de que as artes manuais eram uma atividade do lar, mas acho importantíssimo que o craft se revista desse sentido de força feminina que a atividade está ganhando. Eu sempre signifiquei meus trabalhos manuais pelo punk como uma questão de liberdade, mas para quem não entrou nesse mundo assim, pode ser diferente. Então, acho ótimo quebrarmos essas barreiras e mostrarmos que essas atividades também têm uma carga política. Se a cada nova geração o discurso handmade ganhar novas camadas, o meu trabalho terá valido a pena.

 
 
 
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