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Atualizado: 1 de mar. de 2021



Morador da cidade de São Paulo, Felipe Cavalheiro tem como grande paixão o tricô. Conhecido nas redes como Brazilianknitter [tricoteiro brasileiro], Felipe é obcecado pelo técnica, que considera uma fonte inesgotável de aprendizados. Apesar de ter aprendido o tricô ainda na infância, só voltou a ter contato com a técnica a, aproximadamente dez anos, e acredita que a destreza manual, a realização de cálculos, a atenção a detalhes, a higiene mental, e socialização em grupos, são todas benesses comuns que o tricô pode proporcionar a qualquer indivíduo, independente do gênero.


Confira a abaixo a entrevista concedida por Felipe para o Projeto Fio da Conversa:


Fio da Conversa. Qual a sua relação com os trabalhos manuais, e mais especificamente com os fios?

Felipe Cavalheiro. O tricô hoje é uma obsessão, uma área do conhecimento que me atrai profundamente. Gosto de sempre aprender novas técnicas, novos macetes, dicas e novidades. É interesse observar que no tricô há sempre algo novo a se aprender, nunca se esgota o conhecimento técnico. Já a minha relação com os fios – matéria-prima do tricô – é uma relação quase que plástica: identifico na lã – subproduto ovino – a fibra ideal para a trama que o tricô produz. A lã é um isolante térmico natural, possui leveza ímpar, produz um drapeado ideal e permite emendas invisíveis, entre outros atributos. Gosto de outras fibras naturais (sejam animais ou vegetais) como, por exemplo, alpaca, mohair, seda, algodão, etc., mas nenhuma delas tem as mesmas propriedades da lã.


Fio da Conversa.Quando e como isso entrou em sua vida?

Felipe Cavalheiro. Quando criança aprendi o tricô e o crochê. Além de à época ter achado a repetição dos movimentos um tanto monótona, também não pude continuar porque minha família acreditava que era uma atividade exclusivamente “feminina”. O tricô então saiu da minha vida e foi reintroduzido há aproximadamente dez anos, quando – determinado a tecer uma blusa para mim – retomei as agulhas e percebi que não possuía o conhecimento necessário para atingir o objetivo que me propus. Comecei então a estudar e pesquisar o assunto por conta própria e a paixão foi despertada. Nessa jornada autodidata acabei encontrando o nome da Elizabeth Zimmermann, o que foi um divisor de águas no meu aprendizado no tricô. A Zimmermann foi uma tricoteira britânica que viveu nos EUA e se dedicou a incentivar todos que tricotam a terem confiança e conhecimento técnico suficientes para começarem a desenhar e executar suas próprias criações. Ela com sua personalidade ímpar foi um gênio no mundo tricô, influenciou-me e ainda me influencia muito.


"para mim o tricô é um meio de expressão artística, e não uma mera manualidade com um propósito prático, como, por exemplo, proteger o usuário contra o frio. Essa minha concepção pessoal do tricô está diretamente relacionada com o clima tropical do Brasil, em que o abrigo do frio acaba não sendo uma prioridade."

Fio da Conversa. Há um processo de autoconsciência e/ou de expressão no seu fazer? Como isso se dá?

Felipe Cavalheiro. Sim, para mim o tricô é um meio de expressão artística, e não uma mera manualidade com um propósito prático, como, por exemplo, proteger o usuário contra o frio. Essa minha concepção pessoal do tricô está diretamente relacionada com o clima tropical do Brasil, em que o abrigo do frio acaba não sendo uma prioridade. O processo dessa autoconsciência/expressão se deu com o repertório que venho adquirindo através dos estudos sobre o assunto. Acredito que a identidade artística manifestada por meio da expressão pessoal só é possível a partir da introjeção do conhecimento técnico, que então é processado e transmutado internamente para ser então exteriorizado na manifestação autoconsciente. Esse processo, para mim, é o maior desafio criativo e o que me instiga a prosseguir nessa expressão artística do tricô, até porque há uma infinidade de técnicas que ainda pretendo explorar.


Fio da Conversa. Você se considera um artista? Um artesão? Ambos? Há diferença entre arte e artesanato?

Felipe Cavalheiro. O tricô manual pode ser considerado tanto como expressão artística como também artesanato, a depender das premissas e do contexto em que essa classificação se realiza. Por exemplo, se determinada criação é concebida para ser reproduzida em certa escala para ser então vendida, nesse caso o tricô está assumindo o caráter de artesanato. Por outro lado, se uma peça é concebida para ser confeccionada uma única vez, seja pela exclusividade da matéria prima ou ainda pela complexidade da técnica empregada, o resultado assumirá mais o caráter de uma obra artística pela singularidade da arte produzida. Nesse sentido, considero-me um artista, já que executo minhas criações uma única vez. Elas são o resultado de um processo de concepção, criação e execução, sendo sempre demorado e complexo. Acho pouco provável que eu venha a repetir uma peça que criei e que já a tenha executado uma vez.


Strelitzia Cardigan - Felipe Cavalheiro

Fio da Conversa. Que história ou narrativa você conta com seu trabalho?

Felipe Cavalheiro. As narrativas no meu processo criativo podem variar. Gosto muito do tricô colorido. Apesar de haver diversas técnicas que permitem criar uma trama colorida no tricô, minha preferência está naquela que manipula dois fios ao mesmo tempo e que aqui no Brasil conhecemos popularmente como “jacquard”. Há outra técnica – da qual gosto muito - que também envolve a manipulação de dois fios simultaneamente, mas que produz outro tipo de resultado e trama, e é conhecida como “tricô armênio”. Quando concebo uma peça que se valerá dessas técnicas, por exemplo, então a narrativa priorizará o desenho ou, ainda, a combinação das cores. A narrativa também pode se desenvolver sobre outros tópicos, como modelagem, textura ou qualquer outra técnica. Por fim, as narrativas podem ser múltiplas, como, por exemplo, na minha última obra – Strelitzia Cardigan - publicada pela editora norte-americana Schoolhouse Press (fundada originalmente pela E. Zimmermann), em que sobrepus diferentes narrativas na criação da peça: utilizei uma fibra específica (lã sem torção da raça islandesa de ovinos, que possui características únicas decorrentes do isolamento geográfico dessa espécie) para criar uma peça com uma modelagem singular (o cardigã é tecido numa peça única – sem costura – unido apenas por uma tira contínua nos ombros e que vai de um punho a outro) e na qual estampei diversas imagens da flor ave-do-paraíso (por meio da técnica do “tricô armênio”).


"Entendo que a presença do feminino foi e continua sendo adquirida e integrada à minha personalidade e à minha produção manual. Reconheço essa presença, por exemplo, na poesia que se pode acrescentar a uma narrativa, ou na ênfase que se pode atribuir às sutilezas e nuances de um discurso."

Fio da Conversa. As características do feminino e masculino está presentes no seu trabalho?

Felipe Cavalheiro. Sim, as características do masculino e do feminino estão presentes em mim, tanto sob a perspectiva pessoal, como sob a ótica da minha produção no tricô. Entendo que a presença do feminino foi e continua sendo adquirida e integrada à minha personalidade e à minha produção manual. Reconheço essa presença, por exemplo, na poesia que se pode acrescentar a uma narrativa, ou na ênfase que se pode atribuir às sutilezas e nuances de um discurso. Essas são, para mim, características intrínsecas do feminino, que se contrapõem às masculinas, já latentes na minha personalidade e, por conseguinte, no meu processo criativo. A meu ver, a beleza dessa dualidade reside não na contraposição dessas características, mas sim na justaposição delas de modo que uma possa moldar e potencializar a outra, reciprocamente.


Fio da Conversa. Os estereótipos de masculinidade são uma questão para você? Porquê?

Felipe Cavalheiro. Não o são para mim, mas acredito que o sejam para o senso comum. Esse desconforto é gerado por ignorância, na acepção literal do termo, ou seja, pela falta de conhecimento. Para combate-lo acredito que a sociedade deva tomar mais consciência sobre todos os benefícios que o tricô proporciona, benefícios esses que podem ser aproveitados por todos independentemente do gênero. A destreza manual, a realização de cálculos, a atenção a detalhes, a higiene mental, a socialização em grupos, são todas benesses comuns que o tricô pode proporcionar a qualquer indivíduo. Além disso, olhar de volta para paradigmas positivos criados pela história é sempre uma medida salutar para combater a ignorância do presente. Nesse sentido, a resistência ainda encontrada hoje em se aceitar com naturalidade um homem que tricota não subsiste ao se constatar que essa manualidade foi preponderantemente praticada por homens, exclusivamente, por séculos.


Fio da Conversa. Você entende que a revisão dessa masculinidade, sobre bases mais saudáveis, pode contribuir para a equidade de gêneros na sociedade?

Felipe Cavalheiro. Sem dúvida, acredito que a dissociação de uma atividade manual da predeterminação de sexualidade ou mesmo de gênero é um passo em cuja direção a sociedade moderna deverá seguir inevitável e irreversivelmente, ocorra isso mais cedo ou mais tarde. Recentemente pude testemunhar na Islândia que todos tricotam por lá, pouco importando o gênero, a sexualidade ou mesmo a idade. O tricô é uma forma de símbolo nacional daquele país e é ensinado a todas as crianças durante o ensino fundamental. É fácil depreender que aquela sociedade deve ter já há muito percebido que as vantagens proporcionadas pelo tricô beneficiam a todos, sem distinção. É um exemplo a ser seguido.


Felipe Cavalheiro será responsável o pela abertura do Simpósio Paulista de Artesanato Têxtil, que acontecerá no dias 15,16 e 17 de novembro. https://www.simposiopaulista.com.br/

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Atualizado: 23 de out. de 2019

Por Vilma Silva*


Tenho falado, pesquisado e vivido conceitos sobre estética, educação, arte, infância, e temas relacionados ao campo da sensibilidade. Em especial, fazendo parte do grupo de pesquisa FIAR (Círculo de Estudo e Pesquisa, Formação de Professores, Infância e Arte, da Universidade Federal Fluminense), onde entrelaço meus pensamentos e minha maneira de ser e estar no mundo de forma ética e poética.


Neste grupo, caminho em diálogo com as abordagens narrativas e autobiográficas, nas quais pesquisadores são convidados a olhar para a sua própria história de vida, dentro e fora da escola, e encontrar nela suas vivências estéticas.


As narrativas de si fazem parte do trabalho de registro dos pesquisadores, sendo apresentadas como possibilidades para ampliação das dimensões de sua existência. Nas palavras de Passeggi (2008), uma referência no campo de pesquisa, “autobiografar é aparar a si mesmo com suas próprias mãos...”.


Nesse processo constante e profundo de reconstrução de mim, vou acordando memórias de tempo, lugares e acontecimentos relacionados às experiências do sensível que marcaram modos de pensar e sentir minha trajetória. Busco pistas de constituição de subjetividades. Heranças, pertenças, experiências formadoras, desejos e imaginários. Encontro nos trabalhos manuais, uma rede de significados Nesse processo constante e profundo de reconstrução de mim, vou acordando memórias de tempo,


Meu pai, pernambucano, poeta, compositor repentista e pedreiro sabia contar histórias e fazer jogos cantados de maneira envolvente. Falar era seu dom.Com ele, aprendi a ver a vida de uma maneira lúdica e, muitas vezes até fantasiosa. Me parecia tudo muito leve, mesmo com a dureza do sertão. Por outro lado, minha mãe, paulista, costureira, hábil na maestria do crochê e do tricô, sempre soube conduzir a família de maneira ordenada e calculada, como seus pontos artesanais.


Experiências vividas e guardadas em um lugar muito especial. Delas vêm a constituição do meu ofício de ser/fazer-se professor. A reapropriação de minha história mostra claramente que várias experiências significativas têm um sentido e que tornar-se sujeito da sua própria história pode ser um processo revelador, transformador e, além de tudo, formador.


Um processo em permanente construção. Falar de si não é uma escolha fácil e, muitas vezes

acaba sendo doloroso. Porém, pode revelar-se um caminho de beleza que puxa os fios da alma para fertilizar a vida com mais pertencimento e poesia.


Pode ser um convite-inspiração para quem está na busca por sentido.


* pedagoga, doutoranda em Educação na Universidade Federal Fluminense (RJ), atua há 22 anos na área de educação e é fundadora da Calore – Educação, Cultura e Arte. @caloreatelie

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Campanha Membro-investidor 2020

A Revista Urdume nasceu oficialmente em fevereiro de deste ano com a proposta de ser a primeira revista impressa brasileira a abordar, exclusivamente, o tema das artes manuais têxteis sob diversas perspectivas.


Uma publicação independente, colaborativa e trimestral que só existe - e resiste ao ano de 2019 - por contar com o apoio e colaboração de milhares de pessoas.


Milhares?


Pois é, esse número também nos assusta, afinal, sem nenhum investimento em marketing ou vendas, e uma equipe reduzidíssima, já vendemos mais de 5 mil exemplares de Urdumes por todo Brasil e exterior.


Além disso, lançamos também o Podcast Urdume - com episódios mensais (realizado em parceria com a Universidade Tuiuti do Paraná), a Casa Urdume - espaço para acolher encontros têxteis, O Fio da Conversa - projeto sobre tricô e novas masculinidades, e a editora Urdume, que começa a dar seus primeiros passos.


Tudo tramado à muitas mãos e dedicação.


E se 2019, nosso ano teste, já foi lindo, imaginem só 2020. Na Casa Urdume teremos cursos, encontros e workshops, o Fio da Conversa ganhará a sua própria publicação e, o primeiro livro com o selo Urdume está a caminho. A Revista Urdume, nosso xodó, ganha cara nova, colunas e conteúdos especiais (parte dessas novidades você já poderá conferir na última edição de 2019).

Uma série de planos que estamos trabalhando para acontecer, mas que dependem da sua colaboração. Como não temos patrocinadores, e nosso número de anunciantes é restrito, contamos com você para investir nesse projeto. Por isso, convidamos você a se tornar um membro-investidor da Revista Urdume 2020.


Agora, ao assinar a revista, você pode escolher também investir nela e nos ajudar a arrecadar o valor necessário para as impressões de 2020, R$ 70 mil reais (sim, impressão é um serviço caro), e ainda receber recompensas em produtos ou peças de marcas ou artistas parceiros, e ter seu nome de membro-investidor em todas as edições impressas da Urdume 2020.


Não é demais?


Todos os produtos e peças das recompensas foram doados por marcas e artistas parceiros, que também terão seus nomes publicados em nossas edições como investidores.


Um ciclo virtuoso de colaboração!


Quer saber mais? Clique aqui e confira as opções de investimento e recompensas disponíveis. A maioria das recompensas são únicas, então se você se encantar por alguma delas, não deixa para depois. ;)


Ps: Novas recompensas serão cadastradas no site até atingirmos o valor da meta em serviços e produtos;

Ps2: Nós iremos atualizar semanalmente os valores atingidos;

Ps3: Se não for possível tornar-se um membro-investidor, não deixe de fazer a sua assinatura,disponível aqui;

Ps4: Para outras formas de colaboração, escreva pra gente.





Vamos juntos!

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