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A peça foi feita usando a técnica crochê, com fio de cobre e organza de seda tingida naturalmente com água de arroz preto.



“Meu corpo, meu mapa” é uma peça que representa o corpo como uma guia nas horas em que as emoções chegam.


Eu como tantas outras mulheres atravessei muitas situações referentes ao meu corpo. Algumas muito ruins outras bem boas, mais tudo tem deixado marcas. A medida que a gente cresce, novas experiências vão chegando e nosso corpo como um mapa vai nos alertando…




nesse lugar você já ficou, quer voltar?


Ali nunca foi, mas tá parecendo com aquele lugar que você achou triste demais. Ainda assim quer ir?


Olha, essa estrada é nova, achou que você nunca foi lá, quer experimentar?


Como essas infinitas mensagens e perguntas que o corpo faz com as referências das estradas recorridas anteriormente.


Achou muito importante nos conectar com nosso corpo e seguir nossa intuição em cada momento que a vida nos proporciona.




A seda e o arame representam essa diferença entre o rígido e o suave, e a importância da diversidade. O arame também representa as fronteiras mas de uma forma descontruída com integração.

Essa cor e forma de tingimento foi escolhida pra representar a terra, a sangre e o alimento como símbolo de vida.



Valeria Da Cunha Ferré

Uruguaia nascida na cidade de Montevideo, morando em São Paulo desde 2018.

Designer de Moda e Modelista.

Pesquisadora das artes manuais têxteis, priorizando nos seus processos criativos as técnicas de zero desperdício e Upcycling.

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Coração tecido em crochê, técnica amigurumi, com modelagem veias

bordadas. Fio vegano.

Base tecida em crochê tunisiano, fio reciclado.



Bárbara Faria, Mogi das Cruzes/SP

Advogada, mãe, artesã (crocheteira), e também professora de artes manuais, artes com fios. Idealizadora da "Pano de Mãe", a marca que comercializa os produtos tecidos pela Bárbara.

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Uma mão parente escolheu dois casulos: um com ponta e outro arredondado. Foram os nossos reprodutores.

Mori, um ovo do bicho-da-seda (Bombyx mori), vive, por gerações, numa comunidade, onde não humanos e humanos (Homo sapiens) se geram reciprocamente.


Somos do agora, ainda que no nosso sentido levemos o saber-fazer de milhares de anos. Somos ovos-leitores, deitados sobre folhas de poemas.

A minha comunidade cuida da terra. Planta amoreiras, escreve livros de poesia, tece, faz compost. É uma comunidade antiga, onde tecedeiras e bichos-da-seda aprenderam a comunicarse e a servir-se a partir do acto de tecer. Cultivamos o cuidado, pensamos juntos, formamos histórias, construímos códigos comunais, que vão passando entre gerações.

Como ovo-leitor, tenho como função biológica a da leitura dos poemas sobre os quais estou deitado. São as tecedeiras humanas as que têm a tarefa de escrever, ao longo da sua vida, folhas e folhas de poemas, para que possamos aprender os seus identificadores bioquímicos e culturais. Nós, os bichos-da-seda, não temos forma de poder escrever nestas folhas. Mas sabemos como lêlas. De maneira háptica, através da membrana do ovo, captamos as vibrações de cada palavra e traduzimo-las em códigos, que serão utilizados mais tarde, na fase adulta, para a gestação de humanos e cuidado dos nossos parentes.

À minha volta, ávidos leitores de existências de parentes humanos registam, no seu sistema, todas as informações que lhes foram passadas pelas tecedeiras. Não nos distraímos. As pulsações são sincrónicas entre todos. Somos uma comunidade e, por isso, encarregamo-nos de traduzir os códigos da mesma maneira. Cada geração tem os seus. Não são diferentes dos anteriores; apenas se vão juntando aos gerados antes. Um compost de códigos.

Estamos neste devir poético de forma luminosa. Necessitamos que a luz nos entre pela membrana para que tenhamos claridade na tradução. Às vezes, sentimos vibrações diferentes, vindas de sons articulados por corpos humanos. Vozes. Uma voz, à vez, aproxima-se de nós e transmite-nos informações, numa frequência baixa e melódica. Estas informações fazem-nos falta para completar alguns poemas que nos chegam pela metade.


E de repente a escuridão. Preparo a mudança.


Enquanto Mori passa pela meta-noite (a noite mais longa de todas as noites), o resto da comunidade organiza as boas-vindas às futuras larvas. As amoreiras (Morus alba) associam-se aos seus parentes bichos-da-seda, ao desprender as suas verdes folhas proteicas, que lhes servirão como a única fonte de alimento. As tecedeiras levarão depois, nas suas mãos, o frescor do verde e, algumas, nos seus ventres, a continuação da sua existência.


Regresso à luz. Sinto a fragilidade da membrana do meu ovo. Um pouco mais e poderei rompe-la.

Como quero rompe-la! Necessito rompe-la.

Vem luz, vem mostrar-me a fragilidade! Quero senti-la na máxima potência. Quero cortála.

Sinto-a vir…

Sinto-a!

O meu corpo retorce-se. Sinto a fragilidade a tocar-me em toda a superfície do meu corpo. Ah, como me alimenta de força!

Contorciono-me, contorciono-me, contorciono, contor…cio…

Somos larvas esfomeadas de folhas de alba. Deixámos para trás os ovos-leitores. Agora somos larvas-absorventes do abrigo poético no qual madurámos.

As tecedeiras humanas sempre chegam com o nosso alimento. Somos pouco exigentes, mas precisas: folhas frescas de amoreira, sempre. Afinal, são o nosso alimento-casa. Por isso, num movimento corporal pendular, as nossas fornecedoras deslocam-se entre o alçar de braços às árvores e o baixar de mãos a nós, ininterruptamente.

A minha pele é agora muito sensível. Noto como o meu corpo se estende e como a sua superfície se torna mais branca, sobre o verde atractivo. Cresço e aclaro-me.

Nós, larvas-absorventes, expulsamos os resíduos da nossa acção continua. Convivemos com eles, até que as tecedeiras humanas no-los tirem para gerar compost. Deste húmus, libertam-se partículas que podemos sentir no nosso corpo comprido, através dos pelos e dos palpos. Exploramos o nosso entorno. Seguramo-nos, com as nossas patas, aos veios das folhas e, com a boca, criamos rebordos picotados nelas. Absorvemos a seiva e os impulsos dessas linhas salientes. Captamos cada código, cada sequência da nossa comunidade. Às vezes, os humanos parentes 3 dão-nos a provar alguma da sua matéria corporal, seja em floco, em líquido ou em fio. Tudo isto o absorvemos como informação necessária para o nosso lavor futuro.

O meu corpo de larva ocupa agora mais espaço. Não paro de comer. Como toda a potência que a minha parente verde me dá, através das mãos humanas. Como-as a todas, porque todas libertam, nesta entrega, o seu material genético. Como uma miríade da minha comunidade e multiplico o meu tamanho.

A minha cabeça ganha movimentos giratórios. O meu corpo transforma-se em fuso. Sou agora uma fiandeira.


Mori alcançou o seu tamanho máximo (9 centímetros) e as tecedeiras humanas, as que decidiram, começam a transportar nos seus ventres uma cria humana. Ao ver os bichos-da-seda-fiandeiras, elas aproximam-se das plataformas onde aqueles estão e deitam-se ao seu lado, no chão. Com as mãos, tiram-nos das folhas velhas e colocamnos pelo seu corpo todo, desde os pés à cabeça. Numa simbiose perfeita, as tecedeiras humanas prenhes, movem os seus corpos para que, na sua pele, se criem dobras, muitas dobras, por onde os bichos-da-seda-fiandeiras entrarão. É um baile soporífero, telúrico, sobre o húmus resultante dos resíduos das larvas-absorventes.


Sou potência fiandeira. A minha cabeça gira infinitamente. Necessito encontrar uma boa dobra na pele desta tecedeira humana. Tenho em mim um fio continuo de seda, carregado de códigos comunais.

Cheiro o ser que está dentro deste corpo parente. Já está preparado para que eu possa entrar. Continuo a caminhar sobre o corpo dançante desta tecedeira. Farejo uma dobra num lateral da zona central. Estico a cabeça, posiciono o meu fuso e deixo-me absorver pelo seu corpo.


Já dentro do útero da tecedeira humana, os bichos-da-seda-fiandeiras começam o seu lavor de fiar a seda que lhes sai pela trompa, e a formar a Metáxi (um novo anexo embrionário, que surgiu depois das prácticas de cuidado e reciprocidade de várias gerações), que vai junto ao âmnio, mas que nunca se chega a fusionar com nenhum dos demais anexos.


Estou dentro. Começo a fiar a seda desde o meu corpo. Colo a ponta do meu fio às outras pontas dos fios dos meus companheiros bichos-da-seda-fiandeiras. Somos muitos; por isso, as várias pontas dos fios formam um cordão. A partir deste cordão, começamos a construir um saco ao redor da parente que se está a formar. O nosso saco junta-se a outro que já existe, mas não os fusionamos. Há um espaço entre os dois; o suficiente para que chegue à parente toda a informação que levamos.

Não paramos de fiar. Do meu fuso sai o fio carregado com os códigos que aprendi na fase do ovo-leitor, ao ler todas as folhas de poesia escritas pelas tecedeiras humanas. Com ele, vou envolvendo a parente em formação. Também nós vamos sendo envolvidos no nosso próprio fio. Repito o percurso, uma e outra vez. O legado que arrasto em repetição leva recordações, histórias, mapas, símbolos, padrões de cuidado entre parentes, informação essencial para a convivência e práctica artística da nossa comunidade.

Fizemos já várias voltas. O humano em formação está quase todo envolvido no saco que lhe estamos a construir. Nós também. Estamos entre a parente e os nossos fios. Construímos desde dentro o património que se lhe está a transmitir.

O meu corpo aperta-me. Já não tenho mais fibra para fiar. O saco completou-se e estamos todos dentro dele. Esperamos a saída.


Os bichos-da-seda-fiandeiras estão dentro da Metáxi, em conjunto com a cria humana. Durante os meses que faltam para o parto, as agora crisálidas vão sendo tomadas pelo humano bebé como fazendo parte do seu corpo, da sua identidade.


Sou o intermedio entre espécies. Adentro-me num corpo para que se faça meu também. Suspendo a unidade básica da minha pele e teço-me à superfície que agora nascerá.

Somos a memória conjunta da experiência das camadas do compost. Desde o saco, partiremos para o mundo, com o sentido no comum saber-fazer da ternura. Teceremos responsabilidades de actuações entre parentes, cuidando da matéria que cada existência realize.

Alojo-me no centro cerebral da parente em formação.

Sinto o aperto do corpo contra a pele.

Preparo-me para a saída.


Da tecedeira humana sai o cordão de seda que está conectado à Metáxi. Ela sabe que é o momento que antecede à chegada da sua cria. Agacha-se, apanha uma pedra do solo terroso, segura na ponta do cordão e começa a dobar o fio, usando a pedra como ajuda para iniciar a construção do novelo. Enquanto vai tirando o fio, a sua cria vai-se aproximando do momento da expulsão. A Metáxi vai-se transformando num novelo nas mãos da mãe tecedeira humana e o bebé humano vai-se libertando do seu saco físico.


Em Mori morri, em Alba renasci.


Nos braços humanos estão agora a bebé e o novelo de seda. A tecedeira humana afaga as pequenas asas de borboleta, que a sua cria tem em cada lado da sua cabeça e por onde percebe o mundo, com as melódicas palavras que saem da sua boca, enquanto vai tecendo, com a seda da sua Metáxi, os tecidos que vestirão a sua existência na comunidade. Uma mão parente escolheu dois casulos: um com ponta e outro arredondado. Foram os nossos reprodutores.



Beatriz Freire é uma artista visual portuguesa, que trabalha entre Espanha e Portugal. Tem como principal suporte teórico-prático o têxtil. De forma autodidata, se inicia nas artes manuais têxteis, enfocando a sua aprendizagem na tecelagem manual. Realiza, neste momento, um laboratório audiovisual de criação e prática contemporânea, onde investiga e desenvolve vários projetos que procuram expandir o têxtil no meio fílmico.


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