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Roupas que contam histórias

Atualizado: 1 de mar. de 2021

Luan Valloto mergulha na individualidade para trazer representação

da identidade pessoal às suas criações


Por Paula Melech



A lenda japonesa do fio vermelho conta que no menor dedo da mão há uma conexão direta com o coração. Dele se desprende um fio invisível que carrega consigo o rastro da alma e nos conecta de forma profunda com quem nos cerca, interligando corações. A materialização deste conto, evocando a profundidade de significados que o envolvem, está costurado no “Manto para dar à luz”, peça concebida pelo designer Luan Valloto para a artista, produtora cultural e empresária Karla Keiko. O traje é uma autoria conjunta entre os dois, que vivenciaram de forma íntima e intensa o processo de criação.


O manto, espécie de quimono, representa muito mais do que somente uma vestimenta, mas simboliza um processo de transformação provocado por uma nova vida que se gera. Grávida de Aiko, Karla recebeu a orientação para ficar de repouso, evitando a dinâmica movimentada da sua vida. Era um verdadeiro desafio para ela, que confessa que “não sabe ficar parada”. Nesse momento, estava se dedicando a preparar o ambiente para o nascimento da sua filha, que seria recebida em um parto natural domiciliar. Como parte desse ritual, surgiu a ideia de fazer uma roupa que a fizesse se sentir bem e confortável para a ocasião que estava se avizinhando.

Desfrutando desse momento de repouso, Karla e Luan se reuniam na casa dela para confeccionar o manto. Passavam as horas entre tecidos, linhas e agulhas. Bordaram um ponto de força para cada um dos sete chakras e um fio vermelho na faixa que amarra o quimono. E assim foi, dia após dia, até chegar a data do parto. “Não era somente uma peça de roupa, era um portal. Quando decidi fazer o parto em casa, sem intervenções, sabia que seria uma jornada”, conta Karla.


PORTAL

Inspirado na sua origem nipônica, o manto surgiu com a ideia de ser um dos pilares do portal que ela estava construindo para atravessar, mas também como forma de evocar o seu lugar no processo. Karla ajudou a desenvolver o conceito da peça e a escolher um tecido que agradasse ao toque. Foi definido o bantá, composto por seda e algodão da empresa. A rusticidade do tecido se alinhava à vivência da gravidez e escolha do parto. Ela foi atendida por um grupo que busca o resgate ancestral do nascimento, fundamentado pelo parto na tradição.

“São peças que marcam momentos, significam aquilo que estamos precisando materializar”, descreve a artista. Quando sentiu que a chegada de Aiko (que significa ‘filha do amor’) e começaram as contrações, Karla vestiu o manto e sentiu muita alegria, afinal tinha chegado o momento de evocar tudo aquilo que havia sido desejado. “Construí o portal, atravessei, a agora nós conseguimos construir os nossos, para atravessar juntas”, conta.




COM AFETO

O processo de criação de Luan passa, inevitavelmente, pelo afeto. “Afeto, para mim, é quando a gente se povoa de carinho, de ternura por alguém, por fazer algo. É quando consigo entender quem eu vou vestir”. Em seu atelier, localizado na Rua XV de Novembro, em pleno centro de Curitiba, o designer recebe a todos disposto a ouvir histórias. A biografia individual de cada um o influencia de modo único, contribuindo com referências que integram o desenvolvimento das peças.

Encontrar o que é a representação da identidade nem sempre é um processo fácil. Muitas vezes, é preciso investigar em conjunto, por meio de longas conversas regadas a chá ou café. Essa busca pela individualidade, e pelas características que fazem cada um ser o que é, está entre as marcas do trabalho de Luan. Às vezes, conta, essa identidade pessoal está relacionada à ancestralidade e aos antepassados. “Para mim, isso é encantador”, declara.


A inspiração ancestral do quimono elaborado para Karla se aproxima do conceito do arranjo de cabeça concebido para o casamento da arquiteta Dani Teodosio. Com forte influência familiar, a peça foi confeccionada pela avó e já havia sido usada pela sua irmã, no dia do seu casamento. Em formato de flores, composto de pérolas e escamas de peixes, o adorno motivou a escolha do tema usado no vestido de noiva: marinha, conchas e corais. “Poucas pessoas sabem como é ajudar a construir o sonho de uma noiva. Presenciar, sentir, ver o sorriso de alguém que veste uma peça criada a partir de seus sonhos é uma das grandes maravilhas da vida de um criador”, declara.


Luan se interessa especialmente pelos pequenos detalhes. Suas primeiras criações tiveram como força inspiradora detalhes da natureza como líquens, musgos, trepadeiras e insetos. Atualmente, as coleções carregam influências da arquitetura modernista, cujas particularidades têm o motivado.



SINGULARIDADE

Interessado por roupas que contam histórias, o designer procura oferecer peças que sejam especiais e poderosas, ressignificando técnicas manuais antigas em produtos contemporâneos com forte expressão autoral. Aliado à marca de atender a individualidade, refletindo na vestimenta a singularidade pessoal, Luan busca por tecidos naturais que sejam verdadeiramente sustentáveis, priorizando materiais regionais, como tintura de café e erva-mate. O resultado é uma experiência de design para a sensorialidade, que impulsiona os sentidos e as vivências estéticas.


A motivação regional também justifica a sua escolha por fomentar grupos de trabalho com mulheres de comunidades quilombolas e periféricas. “O que gosto é poder trabalhar coletivamente, fazendo com que elas tomem o processo para si”, conta.


Essas iniciativas incluem os projetos “Pote D'oro - Artesãs Quilombolas do Feixo”, que desenvolvem colchas com refugos da indústria têxtil, “Artesãs da Vila Verde”, criando peças de tapeçaria de esmirna e “Tapetes da Serra do Mar”, que reproduzem imagens do relevo da serra, conjunto de montanhas entre o litoral paranaense e a região do planalto.


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