A estilista Flavia Aranha conta como encontrou espaço para uma moda sustentável, que considera toda a cadeia de produção e tem valorizado as mulheres há 10 anos
Por Belisa Rotondi - entrevista publicada na Revista Urdume #02 [Mai/2019]
Nós em teia
Nos fazem
Nós que formam
Nos unem a todas que somos*

Isto que fala, faz e defende Flavia Aranha por meio de sua marca (que leva seu nome), referência em um caminho inspirador, sustentável e respeitoso de fazer moda: das escolhas que consideram todos os elementos da cadeia produtiva. Desde 2009 focada em transformar seus valores em algo sólido e viável do ponto de vista de negócio, Flavia conta que nem sempre foi tarefa fácil. Mas ela vem mostrando que é possível, especialmente ao conectar-se com pessoas que compartilham dos mesmos objetivos.
URDUME. Como você define o que seu trabalho?
FLAVIA ARANHA Este é um trabalho muito ligado a um olhar atento para a cadeia produtiva, para tudo que está conectado com as etapas de fazer uma roupa. Envolve muito de ir a campo, olhar. A roupa tem vida, e nesse trabalho a gente fala da terra, de olhar para todos os processos, para a memória da roupa, de trazer o protagonismo para todas as etapas, para as pessoas. Por trás de uma planta, tem o ecossistema das mulheres, produzindo, vendendo, transformando em tinta, em roupa, fazendo costura, tecelagem. E ao mesmo tempo em que temos muito trabalho com fiação manual, temos a industrial também.
URDUME. E como você começou nesse caminho?
FLAVIA. Eu trabalhei no mercado da moda por algum tempo, que é algo complicado porque o algodão é a cultura que mais polui, e o fast fashion mudou muito a forma de produção no mundo todo. Ali eu conheci esse processo, que vai longe dos meus valores, e entendi que precisava voltar alguns passos, me conectar com a essência e olhar para o artesanal. Desde criança, tenho envolvimento com arte, pintura, corte e costura, e isso foi muito importante. No momento em que comecei a crescer na indústria da moda, me deparei com o dilema de ser bem-sucedida, mas olhar de perto como as coisas eram feitas e saber que esse processo era agressivo para mim, para minha visão de mundo. Decidida a sair, fiquei um mês no nordeste conhecendo grupos de artesanatos e fui entendendo o quanto de potência existia para trabalhar com foco em planta, mulheres e artesanato. Em 2009 estava com ateliê, e fui me conectando com mais pessoas. Várias coisas não deram certo, os problemas são complexos e não dá para resolver tudo, além do desafio de encontrar formas de existir e permanecer sem ter que se adequar à demanda do mercado. Posso dizer que começamos com esse olhar para o feito a mão e com conexão grande com as artesãs. Desde o começo pensamos como queria que funcionasse nosso ecossistema, os conhecimentos integrados, afinal a roupa é a memória de tudo isso, desses processo e afetos.
URDUME. Você pode contar um pouco sobre o ateliê na Vila Madalena, em São Paulo (SP)?
FLAVIA. Desde julho de 2018 temos só a loja no local, o ateliê saiu. Montamos um galpão com espaço para as máquinas para o tingimento natural. Agora, lá no fundo da loja, temos curso de tingimento, e vamos lançar no segundo semestre o espaço teia, um braço novo da marca focado no desenvolvimento da comunidade, que é uma atuação que amo muito, e quero ter esse espaço para para expandir o impacto.

URDUME. E como foi a certificação da marca no Sistema B? (movimento global que identifica empresas que solucionam alguma questão socioambiental)
FLAVIA. Entramos em 2015 e foi incrível porque até então era empírico: a gente tinha o desejo de mudar as coisas, mas não sabia o quanto o nosso trabalho realmente impactava. E sabemos que não adianta empoderar e não gerar renda, gerar renda e não mudar a vida da pessoa. Então, o Sistema B vem para a gente organizar dentro de casa, os desafios internos, as muitas questões e dilemas e problemas e incoerências. Isso dá credibilidade e conecta com marcas que têm desafios parecidos, não só na moda. Recentemente, fizemos a recertificação e já vieram novos desafios.
URDUME. Como ter um negócio que se sustenta financeiramente e é sustentável?
FLAVIA. É um mega desafio. No nosso caso, acredito que o principal foi que entendemos o que queríamos desde o começo: ser viável e gerar impacto na comunidade, em quem planta, costura e colhe algodão. Ter tudo isso em mente foi fundamental para manter valores e, em paralelo, a nossa comunicação conectava com quem apoia e consome esse tipo de ideia. E os clientes foram fundamentais para ser possível o processo. Claro que são muitos os desafios, mas o grande foco foi entender que o produto precisa gerar impacto direto com a cadeia que o produz, e o desafio disso tudo é ter um equilíbrio entre as coisas que permeiam o ecossistema. Hoje, por exemplo, temos o processo industrial, e eu acredito muito na tecnologia. Antes, a gente tingia na panela, e aprendemos muito com isso, mas agora usamos máquinas. Para mim, o futuro da moda está nesse encontro do ancestral com a tecnologia, nessa inovação, pois a troca de experiência faz parte do equilíbrio e sustentabilidade. Outro ponto importante é se juntar a parceiros que estão olhando para o mesmo lugar, fortalecer outras iniciativas. A colaboração da rede ajuda muito, pois não dá para levantar todas as bandeiras sozinha. Quando começamos, a gente estava olhando para um lugar que a maioria não estava, isso há 10 anos. Agora, já existem mais projetos incríveis nessa mesma direção.
(*trecho retirado da área de “Sobre”, do site www.flaviaaranha.com)
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