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DISPOSIÇÃO PARA VIVER

Atualizado: 1 de mar. de 2021


A comunicadora Giovanna Nader leva para a vida as lições que aprende em sua relação sem regras e, sustentável, com a moda. Consciente, mas otimista, Giovanna acredita que o importante é fazer a sua parte da mudança.



crédito Guilherme Nabhan

De acordo com relatório da empresa americana ThredUp (2018), o mercado de roupas de segunda mão dobrará de 20 bilhões para 41 bilhões até 2022. O mesmo estudo diz também que em 10 anos as venda de roupas de brechós devem superar as de fast fashion e responder por até 11% do guarda-roupa das pessoas. A mudança é alavancada por millennials, jovens entre 18 e 29 anos, que na hora de consumir têm preferido comprar de marcas ambientalmente conscientes esvaziando as lojas de departamento e fast fashions.


No Brasil uma das vozes que vêm levantando a bandeira das roupas de segunda mão e consumo consciente é Giovanna Nader. A comunicadora, formada em administração com especialização em branding, conheceu de perto a realidade das grandes marcas de fast fashion, ao trabalhar com empresas do segmento no começo de sua carreira. A mudança de rumo veio com o Projeto Gaveta - rede de troca de roupas usadas que toca com a sócia Raquel Vitti Lino, desde 2013, quando percebeu a possibilidade de atuar com uma moda mais humana Segundo ela, o projeto foi um portal para uma série de mudanças que faria em sua forma de consumir dali pra frente.


Em 2017, o que já era um desejo, comunicar sua experiência para o mundo, ganhou força graças à maternidade. Com o nascimento da filha Marieta, Giovanna criou coragem para se posicionar cada vez mais publicamente sobre o tema. Hoje, além de dar continuidade ao Gaveta (atualmente um festival anual de moda consciente), produzir conteúdo para redes sociais, e estar escrevendo seu primeiro livro, é também uma das apresentadoras do “Se Essa Roupa Fosse Minha”, programa sobre brechó, roupa vintage e consumo consciente, uma cooprodução da Conspiração, Confort e GNT. Otimista, entusiasta das novas gerações e movimentos com propósito, Giovanna aceitou de pronto o convite para conversar sobre todas essas transformações com a gente.


URDUME. Giovanna, como a moda entrou na sua vida?

Giovanna Nader. Por acaso. Eu me formei em administração com ênfase em marketing, muito naquela onda de não saber exatamente o que fazer, mas acabei me apaixonando por branding [ações alinhadas ao posicionamento, propósito e valores de uma marca]. Trabalhei por um tempo com a áreas em multinacionais, até que, em 2010, fui fazer um curso de branding em Barcelona. Era um curso muito legal, em que cada ano se estudava uma marca diferente. No meu ano foi a Inditex, [maior grupo de moda do mundo, responsável por marcas de fast fashion como a Zara]. Paralelamente, essa foi a primeira vez que eu tive acesso ao fast fashion como “quintal da minha casa”. No Brasil, a gente ainda não tinha isso, então eu passava na frente de uma H&M [marca de fast fashion sueca] e era muito difícil não parar e comprar alguma coisa. Porque embora eu gostasse de moda, nunca tive dinheiro para comprar marcas caras. Então quando tive acesso à todas as tendências de moda por um precinho de banana, eu aproveitei. Mas o barato sai caro, de pouquinho em pouquinho acabei gastando muito dinheiro, comprei muita roupa, mas voltei para o Brasil apenas com as roupas que havia comprado em brechós. Naquela época Barcelona já era o paraíso dos brechós, e eu me abri para esse mercado de segunda mão sem preconceito.


URDUME. E como foi a volta para o Brasil?

Giovanna Nader. Pois então, apesar de ter voltado para o Brasil sem minhas roupas de fast fashion (porque estavam velhas ou cheia de bolinhas), naquele momento não me atentei para o real motivo. Como tinha feito uma pós-graduação sobre o mercado de moda, acabei indo trabalhar para a extinta 284 Brasil, que se intitulava a primeira fast fashion brasileira. Por conta dessa experiência, tive muito contato com esse universo todo: mudanças de coleção, custos baixos, exclusão dos corpos fora do padrão, era uma atmosfera muito aprisionante. Por isso, chegou uma hora que eu resolvi pedir demissão e comecei a trabalhar como consultora de branding freela. Foi quando a Raquel [Vitti Lino], que tinha morado comigo em Barcelona, e hoje minha sócia, falou: “vamos trocar roupas entre amigas?” Topei na hora e entendi que essa poderia ser uma oportunidade de trabalhar com uma moda mais humana do que aquela com a qual eu vinha atuando.


URDUME. Foi assim que nasceu o Projeto Gaveta?

Giovanna Nader. Sim, em 2013 fizemos a primeira edição do projeto já com 70 pessoas e cinco mil peças recolhidas. Foi uma loucura, porque não tínhamos logística para lidar com aqueles números. Mas quando vimos tudo aquilo acontecendo, todas aquelas pessoas trocando suas roupas super felizes e renovando seus guarda-roupas sem gastar nada, a gente entendeu que não podia mais parar. Nós não sabíamos como faríamos a cada ano, mas tínhamos que seguir com a ideia. Desde então já tivemos 65 mil peças circulando através do projeto e a cada ano ele se reinventa. Hoje ele já é um festival de moda sustentável. Nós temos palestras, oficinas, e a cada ano abordamos um tema, no último foi sobre representatividade. A próximo edição será sobre manualidades. A ideia é que os participantes façam uma grande imersão em uma nova maneira de se relacionar com a moda.


URDUME. O Gaveta foi o seu grande ponto de virada para uma vida mais sustentável?

Giovanna Nader. Na verdade a sustentabilidade foi acontecendo aos poucos na minha vida, mas certamente o Gaveta foi uma chavinha de virada a partir da qual fui conhecendo pessoas iluminadas, como as meninas do Fashion Revolution, por exemplo. A partir desses encontros é que eu fui mudando a minha percepção sobre aquela moda padrão.


URDUME. E como você se define profissionalmente hoje?

Giovanna Nader. Hoje sinto que estou em um período de transição, me vejo como comunicadora e acho que essa é a minha grande potência. Algo que eu já tinha vontade de fazer, mas ganhou força após o nascimento da minha filha, sabe, essa força sobre humana que passamos a ter depois que nos tornamos mães. Depois que ela nasceu eu pensei, “agora vai ou racha”. Passei a me posicionar publicamente sobre o tema e comecei a ter um retorno muito legal com isso. Eu adoro ajudar a mudar a visão das pessoas, porque acredito muito que a mudança venha delas, não dá para esperar isso das marcas.


URDUME. Mas as marcas também estão mudando, não?

Giovanna Nader. Sim, é verdade, mas só por causa da pressão das pessoas. E nesse sentido a moda é mesmo um mercado pioneiro. Apesar de ser um mercado muito poluente, a indústria da moda tem levantado, mais do que nenhuma outra, a bandeira da sustentabilidade. Muitas ações ainda são só greenwashing [apropriação de um discurso ambientalista que não acontece na prática]? Pode até ser, mas uma marca de moda hoje não faz mais sucesso se não tocar nesse assunto.




URDUME. E o “Se Essa Roupa Fosse Minha” [programa de televisão que Giovanna apresenta no canal GNT ao lado da estilista Ana Paula Xongani e a figurinista Marina Franco] é fruto dessa sua nova fase como comunicadora?

Giovanna Nader. O “Se Essa Roupa Fosse Minha” foi um convite que recebi Conspiração, Confort e GNT. Eles estavam procuravam pessoas com nosso esse perfil para apresentar um programa de entretenimento sobre brechó, roupa vintage e consumo consciente. Somos três apresentadoras, cada uma com seu perfil, eu falo de estilo de vida sustentável, a Xongani de manualidades e a Marina figurino. A TV atinge diferentes públicos, então procuramos fazer um programa leve, mas com conteúdo. O processo de construção dessa narrativa foi ótimo, tivemos muita liberdade para contribuir na construção do roteiro, e o resultado final ficou muito legal.


URDUME. Levar o brechó para televisão é uma conquista, não?

Giovanna Nader. O mercado de brechó está crescendo muito, porque ele faz muito sentido para o momento que estamos vivendo no país. Estamos em uma crise financeira, e ele é mais barato, temos sérias questões ambientais, e ele circular, valorizamos cada vez mais o estilo, e ele é hype. É uma delicia garimpar uma roupa bem brecholenta.


URDUME. Essa parece ser uma atividade com a qual você se diverte muito, como você faz suas escolhas de moda?

Giovanna Nader. Me vestir tem se tornado cada vez mais uma diversão. Antes de mudar minha percepção sobre a moda eu não tinha um estilo definido, vestia o que via nas amigas. Mas o processo de encontrar seu estilo é um processo de autocuidado, a construção de um novo olhar para você mesmo. Eu gosto de me inspirar na arte: livros, exposições,viagens, experiências... É muito gostoso usarmos uma roupa com a qual nos sentimos bem, ou garimpar uma peça, comprá-la por 3 reais, e vesti-la sabendo que ela carrega uma história. Não sigo regras na hora de me vestir.


URDUME. Como você enxerga essa liberdade na forma de se vestir refletindo na sociedade?

Giovanna Nader. Eu acredito muito que a moda acompanha os movimentos sociais. Agora estamos vivendo um momento político brasileiro tão difícil, baseando em censura, que quer colocar a mulher em um papel inferior, mas nós, mulheres, estamos mostrando justamente o contrário em nossas roupas. Eu por exemplo, abandonei o sutiã. Eu posso andar sem sutiã, então eu ando mesmo. Os padrões estão caindo. Antes falar que alguém era gorda era uma ofensa, hoje, uma mulher confiante usa isso a seu favor. Antes você precisava caber na roupa, agora a roupa que tem que caber em quem você é.


URDUME. E como encontrar essa roupa quando pensamos em brechó? Quais são as dicas para a compra de segunda mão?

Giovanna Nader. A minha principal dica é disposição. Brechó não é loja nova, não vai estar tudo à mão, e com todos os tamanhos disponíveis. Não dá pra você ir pensando “quero achar uma blusinha assim”, quer dizer, até dá, mas o lance é muito mais a surpresa. É preciso ter disposição para entender que essa roupa já foi usada e, por isso, pode ter um furinho, já ter sido mexida, ter alguma mancha. Prestar atenção na fibra e na qualidade da roupa, já que muitas das roupas de fast fashion, feitas de poliéster (que fazem bolinhas em poucas lavagens) também têm parado nos brechós. Além disso, é bom saber qual o tipo de brechó ideal para você, de roupas seminovas, vintage, bazar, e claro, desapegar das tendências.


URDUME. E como você leva a atitude do brechó para a vida?

Giovanna Nader. Para comprar em brechó você precisa saber muito bem o seu estilo, usar a roupa como uma metáfora, olhar para dentro de você. E essa visão que eu tenho da moda hoje, eu passei a ter em tudo na vida, a forma como consumo comida, cosméticos ou faço o descarte de resíduos.


URDUME. Vivemos tempos de crise e, apesar de fazer alertas para esses problemas, você parece ser uma pessoa bastante otimista, é isso mesmo?

Giovanna Nader. O modelo capitalista no qual que vivemos está falido e destruindo o planeta,

mas para tudo na vida há uma solução, e tem muita gente fazendo coisas importantes para mudar isso. Eu preciso acreditar que é possível, e acho que encontrar esses novos movimentos movidos por propósito, querer fazer parte deles, já te ajuda nisso. A gente cresceu acostumados com um modelo de consumo destrutivo, mas os nossos filhos, a nova geração já está agindo diferente. Cabe a nós nos inteirarmos para vivermos em harmonia com essa forma mais cuidadosa de pensar. Eu não sei se seremos mais rápidos do que todas essas catástrofes que estão nos destruindo, mas eu gosto de pensar que esse é o último suspiro de conservadorismo patriarcal. É claro que tem dias que o desânimo bate, mas acho que a chave é não se deixar paralisar e promover as mudanças possíveis, como andar de bicicleta, comprar orgânicos (os lá de casa compramos do MST),, compartilhar ao invés de possuir, e apoiar os movimento de mudança que já estão por aí. Fora isso, todos nós temos uma rede de influência , seja ela grande ou pequena. Então vamos conversar com as pessoas, explicar. Cabe a nós, que já temos consciência sobre essas questões difundir essas ideias. No mínimo sair da inércia te dará a paz de estar fazendo alguma coisa pelo planeta.


URDUME. , Você se declara uma ecofeminista, poderia nos falar um pouco sobre esse movimento?

Giovanna Nader. Sim, e me sinto cada vez mais. O ecofeminismo é um movimento que fala sobre a libertação de todos os seres da terra. Não exclui nenhum movimento, só agrega, e diz que nós, como mulheres oprimidas, não podemos reproduzir o papel de opressor com a natureza. É lindo pensar no movimento Chipko de defesa da floresta empreendida por mulheres de comunidades rurais da Índia nos anos de 1970, elas abraçavam as árvores do bosque local para que não fossem derrubadas por empresas. Nós, mulheres, precisamos nos colocar como defensoras da natureza, porque de fato quando falamos de sustentabilidade, somos nós que estamos à frente na luta. Eu acho que isso tem a ver com a nossa natureza, com o fato de sermos divinas, a gente gera vida, e isso é muito poderoso. Por exigências do mundo patriarcal, muitas de nós precisam se comportar como homens para sobreviver e serem respeitadas. Nos masculinizamos no que tem de ruim no masculino e esquecemos da nossa potência como mulher. O mundo precisa e está cada vez mais aberto a respeitar e ouvir vozes femininas. A voz coerente e genuína da nova geração, Greta Thumber [ativista ambiental sueca, de 16 anos, conhecida por ser a líder do movimento Greve das escolas pelo clima], está aí para nos demonstrar isso.


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